sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Mulher sorocabana na História: a professora Francisca da Silveira Queiroz

Mulheres notáveis sempre permearam a História de Sorocaba. A começar de Isabel de Proença, segunda esposa do fundador Baltazar Fernandes, chamada por Aluísio de Almeida como “a primeira sorocabana”. Também, indiscutivelmente, foi notável a figura da Marquesa de Santos, que viveu por algum tempo entre os sorocabanos. Já no início do século XX, as operárias registravam sua presença na História, participando de greves e movimentos sociais, ou mesmo lecionando, tanto nas escolas regulares quanto nas chamadas “Escolas Modernas”, de cunho anarquista. Assim, como atesta o historiador Edgar Rodrigues, a militante anarquista Angelina Soares teria sido professora em Sorocaba numa dessas escolas modernas.
Ainda no século XX, o nome de Francisca da Silveira Queiroz merece destaque. Nascida em Sorocaba em 31 de janeiro de 1896, de família de poucos recursos, Francisca Queiroz diplomou-se professora na antiga Escola do Braz (São Paulo) graças ao auxílio de uma família sorocabana residente na capital paulista. No dia 08 de dezembro de 1921, em cerimônia realizada no Salão Germânia, em São Paulo, a senhorita Francisca da Silveira Queiroz diplomou-se professora. O jornal Cruzeiro do Sul noticiou o fato, informando que “a senhorinha Francisca da Silveira Queiroz se distinguiu sempre entre as demais alumnas por sua assiduidade, intelligencia e applicação”.
Como estudante, Francisca foi eleita presidente da República da Escola Normal, uma instituição criada com a finalidade de incentivar a participação cívica da mocidade estudantil. De volta a Sorocaba, foi professora adjunta no Grupo Escolar Antonio Padilha, em 1925. A partir de 1930, tornou-se professora de português no Ginásio Estadual de Sorocaba. Em 1931, fundou com outras sorocabanas, o Centro de Cultura Pedagógica.
Envolvida com os ideais da Revolução Constitucionalista de 1932, Francisca da Silveira Queiroz foi uma das sorocabanas voluntárias, auxiliando na confecção de fardas para os combatentes. De suas próprias expensas, publicou nessa época o livro Folhas Dispersas, uma reunião de crônicas e escritos, publicado exclusivamente para ter sua verba revertida em prol dos órfãos da Revolução Constitucionalista. Nessa época, a professora Francisca da Silveira Queiroz já colaborava com seus escritos em jornais da cidade, alguns desses textos assinados sob o pseudônimo de Flávia.
Na abertura de Folhas Dispersas há uma Exortação: “Mulher paulista! Faze reviver em ti, nesta hora anciosa da nacionalidade, a alma heróica de uma Rosa de Siqueira, de u’a Maria Betim Pais Leme, de u’a Margarida de Barros! A primeira combateu corsários denodadamente. A segunda iluminou o sonho de Fernão Dias. A última incitou o filho para a conquista da glória. Todas paulistas. Varonis. Heroicas. Filhas da terra bandeirante”.
Francisca da Silveira Queiroz carrega ainda em seu currículo a honra de ter sido a primeira mulher sorocabana a se candidatar a um cargo no Legislativo municipal. A bem da verdade, foi a primeira mulher a se candidatar a qualquer cargo eletivo. Eis que, somente em 1934 a mulher conquistou o direito de votar e ser eleita. A primeira eleição após a promulgação dessa lei foi em 1936, com as eleições municipais.
O Partido Constitucionalista, a partir de seu diretório municipal, achou por bem convidar a professora para compor a chapa de candidatos. Assim se expressou Francisca Queiroz ante o convite feito:

Simples espectadora do panorama político nacional, em que refulge a obra regeneradora e sadia do grande presidente de S. Paulo [Armando de Salles Oliveira] , jamais pensei intervir nos destinos de minha terra, a não ser pelo exercício do voto.
Eis porque me foi uma grande surpresa a escolha de meu nome para a chapa de vereadores ao executivo local. Teria eu o direito de excusar me a acceitar o convite que me era feito, ponderando a responsabilidade immensa que a honra envolvia? Não, que a homenagem não se conferia á minha pessoa mas á mulher sorocabana. Eu, no caso, não passava de um symbolo – pequenino demais – mas um symbolo dessa que a renovação política brasileira reverenciou e acolheu nas suas fileiras como uma collaboradora na solução dos altos problemas da pátria. E cônscia do meu papel, sem resquício de vaidade, annui ao convite do directorio peceista”.

A campanha de eleição de Francisca Queiroz foi bem recebida, tendo apoio do Comitê Feminino (então existente na cidade), e de setores do operariado, do movimento estudantil e de associações femininas. Mais de 20 (vinte) oradoras ocuparam o microfone da PRD 9 (a rádio da cidade), no programa “Hora Constitucionalista”, para homenagear e apoiar o nome de Francisca ao legislativo municipal. Maria José Vieira era a locutora do programa.
Mesmo com todo esse apoio, Francisca da Silveira Queiroz não conseguiu se eleger. Recebeu 127 votos, uma votação considerável para a época, mas insuficiente para alcançar o quociente eleitoral. Recebeu mais votos do que qualquer candidato da Chapa Integralista. Foi a 19ª candidata mais votada, numa eleição em que participaram 39 candidatos.
Logo veio o Estado Novo, em 10 de novembro de 1937. O Legislativo municipal foi fechado. Os ares da democracia só iriam soprar no Brasil ao final da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Somente em 1947 haveria nova eleição municipal com a participação das mulheres sorocabanas. Tarde demais para aquela que foi a primeira a se candidatar. Francisca da Silveira Queiroz faleceu em 22 de julho de 1941.

Carlos Carvalho Cavalheiro
26 de julho de 2011.

Fontes:
MELO, Luis Correia. Dicionário de autores paulistas. São Paulo: Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1954.
QUEIROZ, Francisca da Silveira. Folhas Dispersas. Sorocaba: edição da autora, 1932.
JORNAL CRUZEIRO DO SUL: edições de 10 dez 1921; 10 mar 1936; 11 mar 1936 e 23 jul 1941.

sábado, 3 de setembro de 2011

Depois de muito tempo, Porto Feliz presenciou o Batuque de Umbigada




Merecem, com muita justiça, os nossos aplausos a iniciativa da Diretoria de Cultura e Esportes e a Casa da Cultura "Dona Narcisa Stettener Pires" em promover a 1ª Semana do Folclore de Porto Feliz. Sobretudo, por trazer à cidade - com isso quero dizer a "malha urbana" - duas das manifestações de seu folclore: a Dança de São Gonçalo (que foi apresentada, segundo a programação do evento, no dia 25) e o Batuque de Umbigada, no dia 27.
O primeiro, ainda existente em terras portofelicenses, está atualmente restrito à zona rural e em vias, infelizmente, de extinção. O segundo, já extinto por aqui, será apresentado pelo grupo de Capivari, Tietê e Piracicaba. É dele que vou discorrer.
A umbigada é uma espécie de "vênia" que faz parte de diversas danças pelo Brasil afora, todas de matriz africana. Há umbigada em côcos, em sambas, em jongos... O Batuque de Umbigada é uma das manifestações culturais características da região do nosso Médio Tietê (da qual Porto Feliz está inserida), assim como o desafio do Cururu e a Festa do Divino com o encontro de canoas.
Parece que entrou em decadência em Porto Feliz por conta da repressão, especialmente a partir da década de 1950. Com efeito, o Código Municipal de 1952 (Lei 315/52), num anacronismo sem precedentes para o século XX, proibia expressamente o ato de "promover batuques, congados e outros divertimentos congêneres na cidade, vilas e povoados, sem licença das autoridades".
Quando permitido, o batuque era costumeiramente realizado na rua da Laje. Disso há relatos e testemunhas. A professora Ana Cândida de Oliveira Diniz, por exemplo, se recorda dos batuques na sua infância. Uma quadrinha do batuque de sua lembrança: “A primeira umbigada / É a nega quem dá / Eu também sou da nega / Eu também quero dá”. O professor Claudio Sampaio Torres afirma que o Batuque da rua da Laje começava no sábado à noite e se estendia até o sol do domingo. José Aparecido Ferraz, conhecido como Zequinha Godêncio, dizia que havia umas mulheres “malvadas”, as quais na hora da umbigada enrijeciam o corpo para ver o homem cair ao chão. Disso se recorda, também, João Vieira da Cruz que mora na rua da Laje até hoje (atual rua Luiz Antonio de Carvalho Filho).
Aparentemente, a escolha do local para a realização dos antigos batuques de umbigada levava em conta alguns fatores. O primeiro poderia ser a afluência de negros na proximidade. O segundo, a própria topografia da rua que, mesmo localizada nas proximidades da área central, está em considerável desnível em relação ao antigo Largo da Penha, ficando desse modo “escondido” dos olhares vigilantes de antanho. O terceiro, o próprio desenho da rua que termina formando um “largo”, exatamente o local propício para a fogueira (necessária para que o couro dos tambus, instrumentos do batuque, possa tinir) e para a execução da dança em si.
Em fevereiro de 1953, durante os festejos em louvor a São Benedito, o batuque de umbigada ainda foi realizado na rua da Laje, sob a orientação de Antonio Vieira. Isso é o que registra a “Folha de Porto Feliz” da época. Nos mesmos festejos, houve cururu... Esse no largo de São Benedito.
No acervo do Museu Histórico há uma foto de um batuqueiro com o Tambu ou Chimbó, o instrumento principal dessa manifestação.


Carlos Carvalho Cavalheiro
22 de agosto de 2011.