quinta-feira, 21 de março de 2013

Professor de História publica artigos sobre negritude em Porto Feliz

http://www.jornalrol.com.br/cidadania/index.php?option=com_content&view=article&id=2560:historia&catid=174:redacao&Itemid=44

O termo negritude é usado para designar tudo aquilo que se refere a identidade do negro no Brasil. História, memória, costumes, manifestações culturais, traços da religiosidade, enfim, qualquer informação que permita a construção política de um identidade cultural.


Com essa perspectiva o professor de História e escritor Carlos Carvalho Cavalheiro vem publicando, desde janeiro de 2013, uma série de artigos no jornal "Tribuna das Monções", sobre aspectos da negritude portofelicense.



São temas variados como a escravidão na cidade, a história da capoeira em Porto Feliz, o costume do batuque e até a discriminação racial (ou étnica).

Dessa forma, muitas informações sobre a participação dos negros na construção da História de Porto Feliz acabam sendo realçadas, contribuindo tanto para a formação dessa identidade como para a própria cidadania.


O professor Carlos Carvalho Cavalheiro leciona a disciplina de História na EMEF. Coronel Esmédio desde 2006. Participou da Comissão do Centenário da Escola em 2008, recuperando fotos antigas, sugerindo logotipo do centenário e realizando a exposição comemorativa no Museu Histórico e Pedagógico das Monções.



Participou ainda do Conselho Municipal de fiscalização do Fundef (Fundo de Manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental) em 2006.Por dois anos seguidos (2010 e 2011) orientou alunos da EMEF. Coronel Esmédio na Olimpíada Brasileira de História do Brasil, chegando, nas duas oportunidades, na penúltima fase.



Ainda em 2011, foi um dos professores responsáveis pela campanha de produção de hortaliças por alunos da EMEF. Coronel Esmédio, com o intuito de fornecer alimentos a Cidade dos Velinhos e Participou da Comissão julgadora do Mapa Cultural Paulista (Literatura).



A convite da "Tribuna das Monções", jornal com o qual colabora desde 2007, produziu os artigos sobre a História e Memória dos afrodescendentes de Porto Feliz, os quais deverão ser publicados, pelo menos, até o final deste ano.

domingo, 10 de março de 2013

A pseudo-teologia de Marco Feliciano



                Causou certa celeuma a nomeação do deputado federal Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Isso porque, atribui-se ao deputado declarações de caráter discriminatório em relação a etnias e a sexualidade. O deputado afirma não ser nem racista e nem homofóbico.[1]
                Não vou tratar aqui dos aspectos políticos de tal nomeação. E nem os eleitores do deputado em questão. E, muito menos, vou procurar desmerecer a sua pessoa. Isso tudo por convicções minhas: o sistema eleitoral brasileiro representa o modelo de organização burguesa (“democracia” representativa indireta, tripartição de poder, ideia do voto como expressão máxima e única da participação política da população em geral, etc.), conquistado por meio da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos; sendo reformulado e reformado ao longo do tempo. Sendo uma construção burguesa, obviamente interessa apenas à burguesia, por mais que se façam propagandas ideológicas colocando a eleição como “festa da democracia”. Aceitar essa ideologia é comprar o conjunto completo: nomeações de caráter político, interesses partidários, coligações que possam ser consideradas espúrias. Particularmente, não aceito tal conjunto e acredito ser inócua a discussão de suas consequências por aqueles que o aceitaram. Em suma, é contraditório aceitar esse modelo de democracia burguesa e se escandalizar com o que lhe é inerente![2] Eu não aceito o modelo burguês de democracia. Por outro lado, respeito a humanidade que existe em qualquer pessoa. Por isso, não desmereço a pessoa em si. Debato ideias, não combato indivíduos.
                Feitas tais considerações, resta-me informar, então, qual será o caráter deste texto. Há tempos incomoda-me algumas ideias e considerações, atribuídas ao deputado Marco Feliciano, especialmente sobre a suposta “maldição” bíblica que recai sobre os negros. Antes, seria salutar entender o meu interesse pela Teologia, a qual me levou a frequentar faculdades até a obtenção do grau de Bacharel. Há quase 20 anos, ouvi estarrecido um rapaz afirmar, numa reunião em que eu estava presente, que era público e notório na Bíblia a maldição enviada por Deus aos negros. Por mais que eu argumentasse, como estudante de História na época, com informações históricas e antropológicas, tive de reconhecer que no campo da Teologia eu não possuía conhecimentos que pudessem servir para desmentir aquelas aberrações ditas pelo rapaz e, como estivéssemos cercados de outras tantas que não possuíam tal conhecimento – ou de cristãos desinformados – aquela afirmação restou como verdade.
                Logo reconheci que deveria estudar Teologia para que pudesse entender melhor esse campo do conhecimento e angariasse os argumentos necessários para um debate. Pensava eu desse modo porquanto não poderia aceitar a ideia de que Deus tivesse amaldiçoado um povo por conta de sua cor de pele. Mesmo porque eu sempre ouvira que a Bíblia diz que “o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho” (Ez. 18.20). Ou seja, ninguém paga pelo pecado de outro. Portanto, se Deus amaldiçoou alguém no passado, os filhos não deveriam pagar por essa “maldição”.
                Anos depois, já formado teólogo pelo IBECC, encontrei na internet supostas declarações do deputado e pastor Marco Feliciano acerca da hipotética maldição de Deus sobre os negros. Duas em especial me chamaram a atenção e é sobre elas que vou discorrer teológica e historicamente para refutar tais ideias. Repito: não combato pessoas, apenas discuto ideias. As frases atribuídas ao deputado são: “Afrodescendentes são amaldiçoados. Não sou eu quem digo, é a Bíblia”, e, “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é polêmica”.
                Nas duas frases o que ressalta é a convicção de que a conjectura maldição sobre os negros (africanos ou afrodescendentes) esteja escorada e explícita no texto bíblico. Apesar de não apresentar o texto em que se expõe essa maldição, há uma pista: um ancestral de Noé que foi amaldiçoado.
                Bem, é evidente, portanto, que se trata do mito hamista ou camista, que em alguns momentos várias pessoas enxergaram como se tratando de escurecimento de pele, por meio da maldição de Noé sobre Cã (na realidade, sobre Canaã). O relato está em Gênesis, capítulo 9, versículos de 20 a 28. Em resumo, Cã, um dos filhos de Noé, viu seu pai embriagado e nu, advertindo seus irmãos Sem e Jafé, os quais foram até Noé e cobriram a sua nudez com um manto. Quando Noé acordou e soube do acontecido, derramou sobre Canaã, filho de Cã, a sua maldição dizendo: “que ele seja, para seus irmãos, o último dos escravos” (Gn. 9.25).
                Não existe qualquer informação sobre a cor de pele de Canaã ou de Cã. Nada. Somente a palavra “escravo” que, diga-se, na época não importava em cor de pele e nem em questão de procedência. Mas foi utilizada sim, durante a Idade Moderna, na invasão europeia à África, como justificativa para dominação, a partir do século XV. Sobre esse assunto discorreram vários pesquisadores, como Sérgio Buarque de Holanda, Kabenguele Munanga, Clovis Moura, Eduardo Bueno entre tantos outros. Teoria utilizada no século XV, mas que é refutada nos dias atuais em que se reconhece que o escurecimento da pele decorre do clima da zona tórrida e não de qualquer maldição divina.
                O dr. Gleason Leonard Archer Junior, teólogo e educador, falecido em 2004, esclarece mais sobre a suposta maldição sobre os negros africanos:

Cão tinha outros filhos além de Canaã, a saber, Cuxe, Mizraim e Pute (Gn 10.6); entretanto, a penalidade foi aplicada apenas em Canaã, o ancestral das cananeus da Palestina, e não em Cuxe e Pute, que provavelmente se tornaram os ancestrais dos etíopes e dos povos negros da África (ARCHER JR., 1997, p. 93. Grifo nosso).

                É evidente que a descendência de Canaã viveu na terra de mesmo nome, que, por sinal, não fica na África! Provavelmente, como ainda ensina Archer Junior, o cumprimento da profecia (maldição) de Noé se deu quando Josué (representando os descendentes de Sem), em 1400 a.C., venceu os cananeus e, também, quando os persas (provavelmente descendentes de Jafé) dominaram a Fenícia e os povos cananeus.
                Acreditar, portanto, que o simples fato de ter a palavra “escravo” na maldição de Noé a Canaã seja o suficiente para associá-la aos africanos é retroceder a uma mentalidade ultrapassada da Idade Moderna e sem qualquer escora para os dias atuais. Afinal, a escravidão “era praticada por todos os povos antigos de que temos registros históricos: egípcios, sumérios, babilônios, assírios, fenícios, sírios, moabitas, amonitas, edomitas, gregos, romanos, e todos os demais” (ARCHER JR., 1997, p. 93). Portanto, escravidão não é prerrogativa e nem exclusividade africana!
                Ademais, admitir que os negros sejam amaldiçoados por Deus é o mesmo que desconhecer a Bíblia como um todo, pois o próprio Deus designou um Anjo para ordenar a Filipe encontrar o eunuco etíope a fim de que este pudesse ser batizado e salvo!  (At. 8.26 – 39). A Bíblia de Jerusalém ensina que “A ‘Etiópia’ [descrita no versículo em destaque] começava além da primeira catarata do Nilo: corresponde aqui, à Núbia ou Sudão egípcio. Nela o poder era exercido por uma rainha, designada pelo título de ‘Candace’” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 1995, nota de rodapé, p. 2063). Núbia, Sudão, Etiópia... territórios africanos e de negros! Se fossem os negros (ou africanos) amaldiçoados, por que Deus designaria um Anjo e um evangelista para pregar-lhes a “Boa Nova”?
                As falsas justificativas empregadas, dizendo que a África é amaldiçoada com doenças, miséria, guerras e fome, demonstram falta de conhecimento do continente africano e de sua História. Talvez esteja aí, escancarada, uma das necessidades da aplicação urgente da Lei 11645/08 (antiga 10639/03) nas escolas. Esquecer-se de toda a exploração decorrente das invasões europeias na África e culpar os males que porventura existam no continente a uma suposta maldição divina é uma atitude cômoda, no mínimo. Afinal, se se trata de uma maldição divina, o que podemos fazer? Qual a nossa parcela de culpa por esse quadro? Qual a nossa responsabilidade diante disso?
                Em suma, continuar a difundir ideias de maldição a africanos e negros em geral, justificando a pobreza e miséria que por vezes haja em alguns lugares da África, não é praticar a boa Teologia e nem exercitar os conhecimentos de História. É, isso sim, fabricar justificativas para reforçar a discriminação e o preconceito; despindo a humanidade do indivíduo por conta da tonalidade de sua tez! É praticar, a meu ver, uma pseudo-teologia.

Carlos Carvalho Cavalheiro.
10 de março de 2013.




[1]Marco Feliciano, que já deu declarações contra negros e homossexuais, voltou a negar que seja racista ou homofóbico. E disse que vai respeitar as minorias. ‘Aqui estão em jogo todos os projetos que beneficiam, protegem, ouvem as minorias. Isso que vai acontecer’”. Ver: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/03/comissao-de-direitos-humanos-elege-marco-feliciano-como-presidente.html
[2] O próprio partido do deputado Marco Feliciano chegou a apoiar o PT e o PSDB ao mesmo tempo. Ver: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Bu1vSfitMu4#! Segundo informações do próprio deputado, no vídeo em destaque, o partido dele apoiou em São Paulo o candidato José Serra (PSDB) e, no resto do país, a então candidata Dilma.

Bibliografia:
ARCHER JR., Gleason L. Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas. São Paulo: Editora Vida, 1997.
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 1995.
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000.
CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Vadios e Imorais. Sorocaba: Editora Crearte, 2010.