“Ficamos
pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano,
tivemos de empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos
em troca a moeda miúda do “atual”. [...] Em seus edifícios, quadros e narrativas
a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura. E o que é
mais importante: ela o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui e ali um som
bárbaro”. A afirmação é de Walter Benjamin alertando, num outro contexto, sobre
a pobreza cultural e a incapacidade de transmissão de experiências que levariam
à barbárie.
Há
alguns anos era possível afirmar que os lugares públicos de
memória derivavam de construções históricas e sociais que implicavam na escolha
dos grupos detentores de poder que selecionavam o que seria esquecido e o que
seria evidenciado como formador da identidade de determinada comunidade. Se de
fato a possibilidade de seleção da memória coletiva, por meio da exaltação de
fatos e personalidades em forma de monumentos, continua emanando das classes
detentoras de poder (seja político, econômico ou social), é de se pensar se
tais classes hoje em dia interessam-se em justificar o seu poder no presente
mediante a construção idealizada do passado.
A princípio, as classes
dominantes parecem ter perdido o interesse pela transmissão da memória
idealizada. Primeiro porque essa memória já não se faz necessária para o
controle. Numa sociedade marcada pelas relações mercadológicas, até mesmo a
informação se torna um produto de consumo rápido e cambiável, que se transforma
na mesma velocidade em que a tecnologia permitiu a sua transmissão. Lembra-nos
“1984”, de George Orwell, livro que tem como personagem principal Winston Smith
cuja tarefa é reescrever documentos históricos adaptando-os sempre ao
posicionamento político atual do governo.
Segundo
motivo é que a propaganda e os meios de comunicação de massa são mais eficazes
do que os monumentos e, também, mais sedutores. Todos sonham com a sociedade
burguesa de consumo, todos querem ter seus próprios automóveis e seus aparelhos
celulares, mesmo que isso implique em congestionamentos, insegurança e escassez
de recursos naturais.
Na
barbárie, os monumentos e os espaços ou lugares públicos de memórias são
descartáveis. A maior parte das cidades não produz, nem constrói grandes
monumentos mais. Basta lembrar que em Sorocaba, por exemplo, os grandes
monumentos que marcam os fatos considerados “relevantes” pela História Oficial
surgiram na década de 1950. Quais são os monumentos mais recentes elevados em
Porto Feliz? Bustos, estátuas, hermas? Em Itu, elevou-se um monumento com a
estátua do fundador, Domingos Fernandes, em 2010 para comemorar o IV Centenário
da cidade. Isso porque a cidade ainda não contava com uma escultura de seu
fundador.
O
descaso das classes dominantes pela memória pode ser traduzido com o estado em
que se encontram alguns dos monumentos que, em tese, deveriam servir como
justificadores da dominação do presente. Basta citar um caso só: o marco da
proclamação da Revolução Liberal de 1842 em Sorocaba.
Chantado
em um largo do final da rua Barão do Rio Branco, em pleno centro da cidade,
esse monumento deveria ser a base para justificar o liberalismo como opção
política que se perpetua no poder. Apesar de se tratar de um conceito do século
XIX que é estranho ao nosso tempo, é fato que até a bandeira da cidade carrega
em seu lema referência a esse espírito “liberal”.
Pois
bem, esse monumento, que se refere a personalidade considerada de suma
importância histórica para a cidade, Rafael Tobias de Aguiar, tem o seu nome colocado
na placa convivendo hoje com contêineres de lixo a cercá-lo. Não se importa
mais a classe dominante em preservar a sua visão do passado. Com isso, nem as
classes subalternizadas poderão almejar a preservação e transmissão de sua
memória. Enfim, chegamos de fato à barbárie.
Carlos Carvalho
Cavalheiro.
14.02.2016
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