terça-feira, 14 de novembro de 2017

Quando o trabalhador paga a conta



            “Para garantia de emprego, tenho que reduzir um pouquinho, flexibilizar um pouquinho os direitos sociais”. A frase, dita pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, reafirma uma postura adotada pelo chamado neoliberalismo, ou seja, a interpretação atual (que já tem lá suas décadas) da aplicação dos pressupostos liberais da economia e da política.
            Como na ficção do filme “V de Vingança”, cria-se um clima de crise sem precedentes que acaba exigindo uma troca: a liberdade pela segurança. Desse modo, o capital exacerba a sua exploração do trabalho, saciando temporariamente a sua fome de lucro. A cumprir o papel de capataz, o braço político organizado assegura que as normas sejam adequadas para a situação.
            Com isso, abre-se espaço para o recrudescimento do autoritarismo político, do jogo desleal entre forças desiguais. E dentro dessa desigualdade de forças, a reforçar o adágio popular, a corda arrebenta do lado mais fraco.
            É o caso das afirmações do ministro Ives Gandra em relação à necessidade dos trabalhadores de abrirem mão de seus direitos para que possam garantir o seu emprego! Para ele, “Se você passa 50 anos crescendo salário e direito, termina ganhando R$ 50 mil por jornada de cinco horas. Não há empresa ou país que suporte” (Fonte: https://br.financas.yahoo.com/noticias/emprego-depende-de-cortar-direitos-diz-presidente-tribunal-superior-trabalho-115340170.html).
            É de se perguntar quais foram os crescimentos de direito e salários que tivemos nos últimos 50 anos. Sendo a CLT, Consolidação das Leis Trabalhistas, surgida em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas, no ano de 1943, ou seja, passados 74 anos, quase 50% a mais do previsto pelo ministro, qual é o trabalhador que ganha R$ 50 mil por 5 horas de trabalho?
            Aliás, a jornada de 8 horas diárias de trabalho, que talvez o Ministro Gandra desconheça a história de sua conquista por longas décadas de lutas operárias – que em alguns casos resultaram em mortes de trabalhadores pelas forças de repressão à greves – está determinada desde a CLT e até agora, passados mais de 70 anos, não houve proposta de redução se não o de ampliação da jornada.
            O que é mais absurdo é que a tecnologia e as necessidades das empresas brasileiras de 1943 justificavam a jornada de 8 horas diárias. Atualmente, com todo o avanço tecnológico – amplamente alardeado como a nossa salvação capitalista – não foi suficiente para trazer a segurança e a redução de jornada ao trabalhador. Pelo contrário, a proposta, de vai de encontro aos anseios neoliberais, é o de ampliação da jornada, o que significa, também desemprego porque não gera novos postos de trabalho. Com jornadas excessivas, a necessidade de se contratar novos trabalhadores deixa de existir. Mas essa e outras contas matemáticas parece que poucos sabem fazer.
            Porém, há uma conta simples de se fazer. É a do teto salarial, qual seja, o maior salário que se pode receber na iniciativa pública no Brasil. Constitucionalmente o teto salarial está previsto no artigo 37, XI, e diz o limite máximo de qualquer remuneração dos cargos das carreiras pertencentes às unidades autônomas da federação será o subsidio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Já o artigo 93, inciso V da Constituição diz que o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
            No dia 3 de novembro, na quarta-feira, logo após o feriado de Finados, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou “uma proposta de aumento do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal de R$ 33.763,00 para R$ 39.293,32” (http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2016-08-03/com-pais-em-crise-senadores-aprovam-aumento-de-r-55-mil-para-ministros-do-stf.html).
            Esse teto servirá de base para a remuneração de todos os outros cargos dos Poderes da Federação. Ou seja, deputados, governadores, presidente da República, ministros dos Tribunais, etc., todos terão seus salários reajustados a partir desse novo teto.
            Inclui-se aí o Ministro Ives Gandra, que pelo artigo 93, V da Constituição Federal deverá receber mais de R$ 37 mil mensais. Onde é que foi parar a lógica de que com a crise devemos abrir mão de nossos direitos para garantirmos o nosso emprego?


Carlos Carvalho Cavalheiro
07.11.2017      


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