quinta-feira, 18 de julho de 2013

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Artigos do historiador Adalberto Coutinho

Adalberto Coutinho de Araújo Neto é um historiador sorocabano que possui uma considerável produção, especialmente acerca do sindicalismo ferroviário. Fomos colegas do curso de História na UNISO, no final da década de 1990. Ele é autor do livro "Sorocaba Operária", título já consagrado. Abaixo, seguem alguns links de trabalhos seus que ele enviou para divulgação:

Entre a Revolução e o Corporativismo – dissertação de mestrado que trata da experiência sindical dos ferroviários da EF Sorocabana na década de 1930, além de sua formação como trabalhadores desde 1875, quando a ferrovia entrou em funcionamento, até 1940, limite do recorte temporal da pesquisa.
O Socialismo Tenentista – tese de doutoramento que trata de uma modalidade do socialismo reformista que existiu em São Paulo durante a década de 1930, que envolvia elementos socialistas que se tornaram socialistas, embora não tenham ingressado no PCB de Luiz Carlos Prestes.
Artigo “O socialismo tenentista” – Legião Cívica 5 de Julho, artigo sobre uma das organizações socialistas tenentistas existentes em São Paulo durante a década de 1930, publicado na Histórica, revista eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Artigo “Ferroviários e tenentes” – artigo publicado na Histórica, revista eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Trata principalmente do envolvimento dos ferroviários da EF Sorocabana com os tenentes durante a década de 1930.
Artigo “Contribuição para a história da participação dos imigrantes espanhóis nas lutas operárias de Sorocaba, na primeira metade do Século XX”. Artigo publicado na página da Editora Crearte.
Artigo “A Sorocabana e seus trabalhadores”. Artigo publicado na página da Editora Crearte.

A elegia de um caipira sul-paulista

          Em 2003, as então formandas em jornalismo Naiçara Garbin e Gabrielle Camargo escreveram um livro-reportagem sobre o folclorista Bento Palmiro e solicitaram a mim que fizesse um prefácio. O livro não chegou, infelizmente, a ser publicado... Quem sabe um dia... Porém, como faz 10 anos que escrevi o texto abaixo, quis compartilhá-lo:

  A identidade cultural do caipira do sul de São Paulo ainda permanece como uma incógnita a produzir comichões, vez ou outra, nas sinapses dos nossos neurônios. Há uma cultura sul-paulista? O que é e como se formou essa cultura?

   Muitos foram os que auxiliaram na revelação desses enigmas. Aluísio de Almeida, Waldemar Iglesias Fernandes, Cornélio Pires, Bene Cleto e tantos outros que souberam bem que a cultura paulista do sul do estado possui singularidades que a distinguem da desenvolvida em outras paragens.

   A cultura caipira, do ponto de vista antropológico, é o traço característico mais difundido pelo Brasil. Encontramos tais características em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, parte do Rio de Janeiro e do Paraná. Gerada do contato dos ibéricos com os índios, inicialmente em São Paulo, foi acrescentada posteriormente de elementos africanos, alemães, italianos etc... No sul de São Paulo ganhou características próprias até mesmo por influência na região da atividade econômica ímpar a partir de meados do século XVIII, o tropeirismo. 

   Coube a Bento Palmiro de Miranda, caipira de Cesário Lange, a difícil tarefa de cultor e difusor dessa cultura do sul paulista. Talvez nenhum outro tenha se dedicado tão profundamente a desvendar os meandros dessa identidade cultural.

   Folclorista, artesão, fabricante de violas, violeiro, modinheiro, fandangueiro, poeta popular, divulgador das virtudes dos alimentos vegetais... Tantas facetas de um mesmo homem são agora desvendadas pelo esclarecedor trabalho de Gabrielle Camargo e Naiçara Garbin, que realizaram importante pesquisa jornalística resultando na obra “A história do folclorista Bento Palmiro Miranda”.

   Com leitura leve, o livro das jovens jornalistas de Sorocaba encanta pela sincera poesia que permeia cada letra, denotando a paixão que nelas provocou o tema e, para felicidade nossa, expurgando os intrusos e enfadonhos estilos academicistas que costumam a aliciar aqueles que se dispõem a pesquisar e publicar seus estudos. 

  “A história do folclorista Bento Palmiro Miranda”, escrita de forma franca e entusiasta, é a reunião de informações reveladoras e únicas desse que foi um dos mais autênticos paulistas que o sol beijou a fronte. 

   Dormimos mais tranqüilos. Parte de nossa dívida foi resgatada. A biografia de um dos mais importantes folcloristas de São Paulo está agora acessível a todos. E escrita de forma encantadora. Quase uma elegia. Triste como toda elegia, mas também bela. Bela e triste como a figura de Dom Quixote ou como o Jeca de Angelino de Oliveira.

Carlos Carvalho Cavalheiro.
20.10.2003. 

Sugestão de frase para orelha: “Coube a Bento Palmiro a tarefa de cultor e difusor da cultura caipira sul-paulista”.

NEGRITUDE VELADA: AS IRMANDADES DE NEGROS DE SOROCABA



            Um fato que salta aos olhos, de imediato, ao se debruçar sobre as esparsas – e, por vezes, desencontradas – informações sobre a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (e, posteriormente, de São Benedito também) de Sorocaba é o estado de penúria em que se encontravam os negros a ela associados.
            A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos desapareceu em Sorocaba em 1812, sendo insensivelmente substituída, conforme as palavras do historiador Aluísio de Almeida, pela Irmandade de São Benedito, como sociedade religiosa de negros sorocabanos, por volta da década de 1820.
            A levar em consideração as informações disponibilizadas por Aluísio de Almeida, os negros sorocabanos venderam a sua inacabada capela de taipa dedicada a Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, por volta de 1770, ao Sarutaiá,[1] ficando sem orago por algum tempo. Ao que tudo indica, esse capitão-mor sabotava a construção dessa igreja, que ficava defronte à sua residência, “atirando certeiras bodocadas aos escravos que construíam as taipas da igreja do Rosário”, antes de propor aos negros a compra do templo em construção.[2] Dom José Carlos de Aguirre, em trabalho publicado em 1927, se reporta às certeiras bodocadas do Capitão-Mór Sarutaiá como “estímulo” ao trabalho dos negros, querendo com isso “vencer a indolência” dos mesmos. Na análise da reprodução, nesse referido trabalho, de uma petição de Salvador de Oliveira Leme (o Sarutaiá) ao Bispo de São Paulo, pode-se verificar o interesse daquele na posse e propriedade da igreja do Rosário que estava sendo construída. Argumentou na petição que pretendia aumentar a devoção das irmandades de homens pretos de Sorocaba, mas estes são “tam miseráveis, e faltos de fé, que se não atrevem a concorrer com coisa algúa por ser pouca, e pequena a esmolla, que tirão para os gastos dos folguedos, que todos annos fazem pelas ruas sendo o da Igreja tam limitado” (AGUIRRE, 1927, p. 09). Ao longo da petição, Sarutaiá argumenta que não irá mais contribuir para que os negros possam ter a sua capela, mas antes, que por ver a negligência destes, propõe que a dita igreja fique ao seu zelo e ao de seus herdeiros, devolvendo aos negros da Irmandade os cinqüenta mil réis com os quais estes iniciaram a construção do templo. Com a petição deferida, Sarutaiá se apossa da igreja e seus herdeiros, na realidade suas netas, darão início posteriormente à construção do Convento de Santa Clara.
            Os negros foram para a Igreja Matriz e lá permaneceram até 1797, embora na sua petição o Sarutaiá se comprometesse a consentir que os negros pudessem realizar “as suas festas na mesma Capella, porem nunca com o domínio de sua, mas sim por favor” (AGUIRRE, 1927, p. 09). Já como Irmandade de São Benedito[3], em 1825, utilizou a Capela de Bom Jesus dos Aflitos da Rua das Flores (possivelmente, por volta de 1865) sendo os irmãos acolhidos, posteriormente, na capela de Santo Antônio (ao que parece, a segunda capela desse santo, na atual Praça Nicolau Scarpa), local onde realizavam a festa de São Benedito no dia 06 de janeiro (ALMEIDA, 1950, 2002). Parece, portanto, que essa Irmandade – que começou como Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e tornou-se, depois, de São Benedito – não teve sua capela própria por muitos anos[4].
            Ainda recorrendo a Aluísio de Almeida, verifica-se que a construção em taipa era especialidade dos negros da Irmandade e que a construção de suas igrejas sempre parava quando chegava a necessidade de trabalhos outros, como o de carpinteiro, de ferreiro, de pintor etc (ALMEIDA, 1952). Isso demonstra que existia mesmo falta de recursos entre os negros de Sorocaba para viabilizar a construção da igreja de sua irmandade. Diferentemente ocorria nas regiões das Minas, como exemplo[5]. No entanto, a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Sorocaba foi abandonada inacabada em 1812 (quando não se tem mais notícias da Irmandade) e a de São Benedito não consegue, por sua vez, terminar o seu templo, eis que em 1873 fora construída uma torre, à guisa de igreja, no antigo teatro de Santa Clara (igreja que não foi benzida) sem, contudo, acabar a construção, conforme publicou o Almanak da Província de São Paulo para 1873.
            Mas qual era a função das Irmandades negras? Apenas permitir ao negro participar do culto católico? Segundo a historiadora Claudete de Sousa Nogueira (2008), as irmandades tinham como finalidade servir como sociedade na qual se agregavam negros (livres, escravos, forros) para apoio e ajuda mútua. Para Carlos Rodrigues Brandão (1986), as irmandades – com suas festas – recriavam, numa oposição de sentidos, o simbolismo de se coroarem a si próprios e não aos santos católicos, como faziam os brancos.
            No sentido dado por Claudete Nogueira, relacionamos a história da Irmandade de São Benedito de Porto Feliz, a qual comprou terreno anexo ao cemitério da cidade, no final do século XIX, para que os seus pudessem ser enterrados[6]. No sentido dado por Carlos Brandão, lembramo-nos do lendário Reisado estabelecido por Chico Rei, em Vila Rica (atual Ouro Preto). Como testemunha Carlos Góes (1994, p. 81), “no dia 6 de janeiro de cada ano o Rei, a Rainha e os Príncipes, vestidos com trajes opulentos, cobertos de suas insígnias e coroas, eram, com grande aparato, levados à Igreja do Rosário”.
            Por outro lado, as Irmandades eram uma forma de resistência (ainda que se entenda como resistência afirmativa) à escravidão. Além de servir aos negros como alívio aos “sofrimentos infligidos pelos brancos” (NOGUEIRA, 2008, p. 40), as irmandades funcionavam como forma simbólica de resistência na medida em que se procurava preservar os rituais e mesmo o seu panteão da impostura dos padrões religiosos católicos. Clóvis Moura (1989, p. 35) explicita que nesse processo de resistência

Sempre a defesa do dominado, do oprimido, do discriminado é ambígua. Aquele que não pode atacar frontalmente procura formas simbólicas ou alternativas para oferecer resistência a essas formas mais poderosas. Dessa forma o sincretismo assim chamado não foi a incorporação do mundo religioso do negro à religião dominadora, mas, pelo contrário, uma forma sutil de camuflar internamente os seus deuses para preservá-los da imposição da religião católica.

            Memorialistas e historiadores registraram a permanência das práticas oriundas dos rituais africanos dentro das Irmandades negras católicas, sobretudo na capital paulista. Paulo Cursino Moura (1980, p. 80), por exemplo, afirma que histórias de lendas e bruxarias eram atribuídas à “Irmandade de N. S. do Rosário dos Homens Pretos, instituída em 1810” na cidade de São Paulo. É célebre a descrição ritualística que fez do enterro de negros da Irmandade, que, jogando punhados de terra sobre o cadáver, cantavam: “Zóio que tanto vê / Zi boca que tanto fala/ Zi boca que tanto ri / zi comeu e zi bebeu / Zi corpo que tanto trabaiô / Zi perna que tanto andô / zi pé que zi tanto pisô...”. Aluísio de Almeida registrou semelhante ritual existente em Sorocaba no passado, intercalado por “bum bum bum” feito com batidas de pés ou pilões que socavam a terra que cobria a sepultura.
            Tais práticas, como recriações e reelaborações de antigas tradições africanas – que permaneceram à guisa de resquício nuclear na formação de uma identidade – fornecem o subsídio necessário para a sobrevivência na correlação de forças que se estabelece dentro do contexto de domínio inerente à escravidão. Daí se depreender que a as relações entre negros e brancos naquele contexto histórico eram tensas e requeriam de ambas as partes, mas, sobretudo do negro, estratégias e dinâmicas que permitissem a sobrevivência da ritualística, mesmo que dentro da dinamicidade da reelaboração de símbolos e de significados.
            Ainda que pareça precipitado julgamento, a princípio pode-se estabelecer uma relação de estratégias similares entre a Irmandade de N. S. do Rosário e São Benedito com o arsenal de práticas que deram origem ao culto de João de Camargo. Esse taumaturgo, praticante de cultos ancestrais como o da Calunga, deu uma aparência católica aos seus rituais, com igreja similar ao modelo católico, com altar, santos e até com a promoção de procissões (CAVALHEIRO, 2010). Entretanto, afora o aspecto externo, o culto de João de Camargo continuou guardando resquícios da religiosidade ancestral africana. E os irmãos de São Benedito costumavam a chamá-lo de “padrinho” (ALMEIDA, 1974).
            Num contexto originado dentro de uma estrutura de dominação, é natural que as forças se digladiem em busca de maior espaço de atuação. De um lado, a ideologia cristã do branco nomeará os cultos africanos de “feitiçaria”, “macumba”, “bruxaria”, “magia negra”, numa tentativa de esvaziar qualquer conteúdo de religiosidade que se possa perceber. De outro, a continuidade da religião de seus ancestrais é uma forma do negro resistir. Segundo Moura (1988, p. 39), “dentro inicialmente de uma estrutura escravista, o cristianismo entrava como parte importantíssima do aparelho ideológico de dominação e as religiões africanas eram elementos de resistência ideológica e social do segmento dominado”.
            Por esse motivo, até os dias atuais, Irmandades negras cantam em seus congados para Zambi (Deus supremo para os bantos), para Beira-Mar (um dos nomes de Ogum) e, ao mesmo tempo, para Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Nossa Senhora Aparecida.[7] É curioso, ainda, o fato de os reis das Congadas usarem coroa e manto, símbolos esses do orixá Xangô.[8]
            As Irmandades católicas negras de Sorocaba promoviam, também, festas que reforçavam o caráter de identidade e de ressignificação social. Rivalizando, de certa forma, com a Festa do Divino (promovida pela elite branca), os negros da Irmandade do Rosário promoviam as congadas, nas quais havia a coroação de reis. Não é à toa, parece-nos, que a festa e folguedo eram promovidos no dia 6 de Janeiro, dia de Reis, costume que permanece na Festa de São Benedito (ALMEIDA, 1969). Ao realizar as festas e folguedos, os negros iam demarcando o seu território, estabelecendo a sua presença em diversos locais. É bom lembrar que tais ocorrências existiam paralelamente à escravidão e que o direito de ir e vir, de acesso e permanência num local, era restringido aos escravos. Participar da congada permitia a flexibilidade dessas regras. Porém, isso não de dava de forma passiva. Posturas municipais e repressão policial marcam a história dos batuques e congadas sorocabanos (CAVALHEIRO, 2006). As festas e folguedos dos negros, portanto, eram imprescindíveis para a manutenção de sua identidade e memória. Isso nem sempre era reconhecido. Talvez por isso, o bispo Dom Aguirre se manifestasse dizendo que os negros da Irmandade de N. S. do Rosário dos Homens Pretos de Sorocaba eram indolentes para a construção de sua igreja, mas não o eram para as orgias, as quais “não lhes faltavam ânimo” (AGUIRRE, 1927, p. 08). Isso porque a petição do Sarutaiá requerendo o domínio da antiga igreja dos negros dizia que a esmola que tiravam era pequena para as despesas dos folguedos que faziam todos os anos. Não entendiam, nem o Sarutaiá e nem Dom Aguirre (mais de dois séculos depois) como poderiam os negros dar mais valor ao folguedo anual do que à construção da capela da Irmandade.
            A par dessas manifestações, surge a possibilidade da criação de uma territorialidade negra. Isso parece ter existido na medida em que muitos depoimentos dão conta da aglomeração de negros, por exemplo, no entorno da Igreja de Santo Antônio, quando esta abrigava a imagem de São Benedito. Os escritores e historiadores Vicente Caputti Sobrinho e Milton Marinho Martins deixaram registradas suas recordações sobre as brincadeiras de roda de negros (como a capoeira) no antigo Largo Santo Antônio, em frente à Igreja de mesmo nome. Salerno das Neves, liderança entre os negros de Sorocaba, também realizava devoções religiosas naquele mesmo lugar. As festas de São Benedito ocorriam, na década de 1930, da mesma forma, naquele largo (CAVALHEIRO, 2010).
            A existência da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e de São Benedito em Sorocaba testemunha alguns aspectos interessantes da história do negro sorocabano. Comprova a resistência e a luta para poder continuar a cultuar suas divindades e promover a sua religião. Esclarece sobre as estratégias e a compreensão desse negro – que na época poderia ser livre, alforriado ou escravo – da conjuntura e das relações de dominação próprias do escravismo. Ver-se impedido de praticar a sua religião é algo tão cruel que bastaria rememorar que foi essa uma das imposições nazistas aos judeus. Por isso tudo, as Irmandades negras em Sorocaba denunciam, acima de tudo, a violência e o preconceito, que perduram até hoje, em relação à religiosidade de matriz africana.

Carlos Carvalho Cavalheiro
Licenciado em História e Pedagogia
Bacharel em Teologia
Especialista em Metodologia do Ensino de História e em Gestão Ambiental

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Aluísio de. Sorocaba, 3 séculos de História. Itu: Ottoni, 2002.
________________. História de Sorocaba. Sorocaba: IHGGS, 1969.
________________. Religião e Folclore. In Revista Investigações, nº 41. São Paulo: Departamento de Investigações, 1952.
________________. Curiosidades Sorocabanas. In Revista Investigações, nº 20. São Paulo: Departamento de Investigações, 1950.
________________. São Benedito em Sorocaba. In Cruzeiro do Sul, Sorocaba, 22 set 1971.
________________. Armadores e Artistas. In Cruzeiro do Sul, Sorocaba, 1º abr 1969.
AMARAL, Raul Joviano. Os pretos do Rosário de São Paulo. São Paulo: João Scortecci Editora, 1991.
AGUIRRE, Dom José Carlos de. Memória do Convento da Immaculada Conceição e de Santa Clara de Sorocaba. São Paulo: Escolas Profissionais do Lyceu Coração de Jesus, 1927.
AZEVEDO, Janaína. Tudo o que você precisa saber sobre Umbanda – Vol. 1. São Paulo: Universo dos Livros, 2008.
AZEVEDO CORRAL, Janaína. As sete linhas da Umbanda. São Paulo: Universo dos Livros, 2010.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Esses negros na rua, no meio da noite... In Os Negros do Rosário [Encarte de CD], 1986.
CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da Escravidão. Sorocaba: Crearte, 2006.
______________________. Vadios e Imorais. Sorocaba: Crearte, 2010.
GÓES, Carlos. Histórias da Terra Mineira. Rio de Janeiro: Garnier, 1994.
MOREAU, P. J. Os santos no folclore nacional. In Tribuna das Monções, 04 nov 1956.
MOURA, Paulo Cursino de. São Paulo de Outrora. São Paulo: Edusp / Itatiaia, 1980.
MOURA, Clóvis. História do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1989.
____________. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988.
____________. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.
NOGUEIRA, Claudete de Sousa. Irmandades negras em Itu. In Memória Afro-brasileira em Itu. Campinas: DEMACAMP, 2008.



[1] Consta, segundo Aluísio de Almeida (2002, p. 79), que “A capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi por eles edificada, ou antes, socadas apenas as taipas, quando Salvador de Oliveira Leme, o Sarutaiá, depois capitão-mor de Itapetininga morando em Sorocaba e na frente da capela ou igreja, vendo que os pobrezinhos gastavam as esmolas em comes e bebes, resolveu acabar o templo à sua custa, cerca de 1770. Deu 50$000 em dinheiro aos Pretos, que fossem começar outra, ficando provisoriamente na Matriz, onde já havia outra Nossa Senhora do Rosário, dos brancos”.
[2] Sob o pseudônimo de Arnobius, Aluísio de Almeida nos conta esse fato, o qual já havia sido registrado pelo bispo de Sorocaba, Dom José Carlos de Aguirre, numa monografia sobre a “Memória do Convento da Immaculada Conceição e de Santa Clara”. O Sarutaiá, depois de atirar bodocadas aos escravos e de comprar-lhes a igreja, terminou a construção e dedicou-a a Santa Clara, na rua de São Bento. Ver: O Sarutayá, In Cruzeiro do Sul, 23 abr 1937, p. 01. É provável que o Sarutaiá não quisesse uma igreja de negros nas proximidades de sua casa. Fato similar ocorreu com a Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo, ameaçada de mudança de local em diversas oportunidades simplesmente porque era “igreja de pretos”, conforme testemunha Amaral, 1991, p. 145. Na versão do Bispo Dom Aguirre, as bodocadas eram dadas como “estímulo” para que os negros trabalhassem na construção da Igreja.
[3] Aluísio de Almeida acredita que a Irmandade de São Benedito tenha surgido em Sorocaba próximo à data da Independência (1822).
[4] Os negros da Irmandade de São Benedito utilizaram a Igreja de Santo Antonio por duas vezes, primeiro no início da Irmandade e, posteriormente, quando a capela de Bom Jesus dos Aflitos da rua das Flores ficou em ruínas, conforme Almeida, 1971.
[5] Na cidade de Ouro Preto, por exemplo, há duas igrejas de negros: a de Santa Efigênia (ou Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz), que levou 60 anos para ser construída (1730 a 1790) e a de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (1785).
[6] Segundo o historiador Romeu Castelucci em 1896 a Câmara Municipal de Porto Feliz regulamentou o enterramento de pessoa no cemitério da Irmandade de São Benedito.
[7] Raul Joviano Amaral (1991, p. 32) explica que “ninguém desconfiava que sob a proteção de Nossa Senhora do Rosário estava a devoção a Iemanjá e que, sob a tutela de São Benedito, executava-se todo o mágico preceito dos cultos aos deuses-Orixás”. É interessante notar que o poeta e historiador portofelicense Pedro José Moreau anotou uns versos dedicados à São Benedito que diziam: “Meu senhor São Benedito / a vossa casa cheira / cheira a cravo, cheira a rosa / cheira a flor de laranjeira”. Essa cantoria é encontrada em alguns congados. Versos bastante similares, com exceção do inicial, compõem um ponto cantado na Umbanda: “Cosme e Damião / a sua casa cheira / cheira a cravo, cheira a rosa / e a botão de laranjeira” (Ver: MOREAU, 1956, p. 04, e, AZEVEDO, 2008, p. 111). Há versões para Nossa Senhora do Rosário, também.
[8] Segundo a pesquisadora Janaína Azevedo Corral, “a coroa e o manto a Xangô pertencem, pois Xangô é o Rei” (AZEVEDO CORRAL, 2010, p. 106). Por esse motivo, a pesquisadora associa, também, a Folia de Reis com esse orixá. A coroa é símbolo de outro orixá importante: Oxalá.

O Operário: artífice do progresso.


                Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
(Operário em Construção, Vinícius de Moraes)

                Sorocaba conheceu no final do século XIX outro personagem que iria contribuir para a construção do progresso material da cidade: o operário. Ao lado dos bandeirantes, dos tropeiros e dos escravos na construção da nossa história, esse personagem surge com as primeiras fábricas, modificando, gradativamente, as relações sociais e econômicas.
                Nessa época Sorocaba incorpora o discurso da modernidade e do progresso. A ideologia da cidade burguesa e civilizada contagia a todos. Amiúde, os símbolos dessa modernidade são citados em jornais – que também se tornam signos do progresso – e passam a ser idolatrados como indicadores únicos do sucesso e da felicidade de todos.
                O operário também será contaminado pelo mesmo discurso: em suas manifestações, ele enaltecerá o progresso industrial da cidade, os melhoramentos urbanos, o surgimento de escolas... Contudo, o fará de forma, muitas vezes, crítica; eis que tal progresso não o atingia. É público e notório que as condições de vida dos primeiros operários eram bastante precárias. Trabalhavam exaustivamente em condições subumanas e o que ganhavam como salário, mal diferenciava o valor do prato de comida e do copo de água dado ao escravo para que este não morresse. O escritor sorocabano Jacob Penteado, no seu livro Belenzinho, 1910, testemunha que sua mãe – assim como os demais operários – trabalhava numa fábrica têxtil em Sorocaba, das cinco horas da manhã às 20 horas!
                No entanto, como principal artífice do progresso material da cidade, o operário se organiza especialmente em associações operárias, anarquistas e comunistas, e parte para a luta de conquistar parte desse progresso para a sua própria realidade. Assim, o jornal O Operário publica manifestação em que diz: “Operários, não obstante nestes últimos tempos estão-se fazendo sentir os primeiros echos de liberdade, mostrando a alguns patrões que neste século nós, os operários, não podemos ser tão maltratados como somos, ainda tem patrões que continuam com toda a sorte de violência, a maltratar seus operários, não só na mesquinha remuneração – e às vezes com multas por cima, – como também no demasiado trabalho, sobre o que, pouco a pouco, vão massacrando os vis operários!...”
                Dessa forma, Sorocaba era uma cidade visada pelas organizações operárias, sobretudo anarquistas e anarcossindicalistas, de início, e comunistas, a partir da década de 1930. A redução da jornada de trabalho, por exemplo, ligada às manifestações do dia 1º de Maio, tiveram início já em 1894, quando os anarquistas Alexandre Levy e Angelo Belcote foram presos afixando cartazes conclamando os trabalhadores sorocabanos a participarem das manifestações do dia do Trabalhador. No século XX, mais precisamente em abril de 1910, o orador anarquista Oreste Ristori realizou uma palestra na cidade. Os operários fizeram greves, passeatas, fundaram escolas para operários, elaboraram abaixo-assinados, enfim, lutaram para que o progresso da cidade fosse também o seu como classe social. E foram vitoriosos: conquistaram direitos e obtiveram melhorias das condições de vida e de trabalho.

Carlos Carvalho Cavalheiro

Julho de 2010.