domingo, 7 de agosto de 2016

A morte da política



            O ministro do STF Luís Roberto Barroso, em audiência com seus alunos, aparentemente não percebendo que suas manifestações eram gravadas, deixou escapar a sua insatisfação em relação à falta de alternância nos governos e disparou a frase: “a política está morta”.
            Apesar de chocar num primeiro momento, a frase de Barroso revela não somente uma percepção daqueles que acompanham as notícias políticas, mas também daqueles que analisam a democracia brasileira na atualidade. Aliás, o Brasil sempre teve crise de identidade política. No Império dizia-se que a diferença entre liberais e conservadores era somente o exercício do poder, ou seja, um liberal era muito parecido com um conservador quando ambos estavam no comando. Durante os primeiros anos da República o Brasil criou o que parecia ser inimaginável: uma República Oligárquica. Isso porque, na própria etimologia de ambos os termos aparece a contradição. Na república (res publica, do latim), a forma de governo pressupõe que o poder emana do povo e tem por objetivo o bem comum, a “coisa pública”. Na Oligarquia, ao contrário, um pequeno grupo governa visando apenas seus interesses e não o da coletividade, não o bem comum.
            Em meados da década de 1980, passado o horror da ditadura militar, o Brasil tomou o caminho oposto ao extremo. Em vez da falta de partidos ou do bi-partidarismo do final da ditadura, a democracia brasileira defendeu a idéia do pluripartidarismo, conforme reza a Carta Magna. Até aí, tudo bem. Não haveria problema algum se houvesse certo rigor na criação de partidos. Hoje se tem partidos para tudo: aposentados, militares (ainda não oficializado), indígenas, mulheres... São 35 partidos registrados no TSE e outros tantos que ainda buscam a legalização. Somente os partidos que carregam em sua sigla o termo “Trabalhista” temos 5: PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT), PARTIDO TRABALHISTA CRISTÃO (PTC), PARTIDO TRABALHISTA DO BRASIL (PT do B), PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO (PRTB), PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL (PTN). Partidos que pretendem atuar em causas ambientais são 4: Partido Verde (PV), Rede Sustentabilidade (Rede), Partido Ambientalista Nacional (PAN) e Partido Ecológico Nacional (PEN).  Há dois Partidos Comunistas reconhecidos pelo TSE e outros na clandestinidade, ainda.
            Acontece que uma multiplicidade irrestrita, com propostas que deveriam ser semelhantes – ou convergentes – favorece apenas uma coisa: a negociação com diversas siglas para se obter maioria de votos que garantam um mínimo de governabilidade. Nas eleições de 2014, por exemplo, 28 partidos tiveram pelo menos 1 candidato eleito. Impossível ao chefe do Executivo obter maioria sem negociar com significativa parte dessas legendas. Isso porque a nossa Constituição foi promulgada pensando-se numa possível mudança da forma de governo para o Parlamentarismo. Consequência disso é que vivemos hoje num sistema em que a figura do presidente da República é quase que refém do Congresso.
            Parte do descontentamento do ministro Roberto Barroso vem desse quadro que se nos apresenta, de um número irrestrito de partidos políticos, muitos dos quais com dificuldades em definir sua ideologia ou distinguir seu programa de ação.
            Nesse sentido, a política – como a arte de bem governar os povos ou como a ação em benefício da comunidade – se esvai, ou como disse o ministro Barroso, morre e deixa em seu lugar o balcão de negociatas. E pior: abre espaço para outras supostas “alternativas”: o movimento pelo retorno da monarquia vem se fortalecendo ao mesmo passo em que se robustece, também, o que clama pela intervenção militar. Se a política está morta hoje, amanhã poderá ser enterrada.


Carlos Carvalho Cavalheiro

04.03.2016

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