sábado, 30 de julho de 2016

Quem ama mata?

A Tribuna das Monções, jornal da cidade de Porto Feliz, em sua última edição, do dia 19, noticiou em primeira página tentativa de homicídio com o título “Amor termina na ponta da faca”. Em fins da década de 1970 e início da de 1980 uma onda de crimes passionais chamou a atenção da opinião pública, gerando uma comoção nacional que se celebrizou a partir do slogan “Quem ama não mata”.
Um dos crimes dessa época – e que tomou as atenções da mídia – foi o assassinato de Angela Diniz, morta por ciúmes pelo seu companheiro, o playboy Doca Street. Todo esse contexto motivou a Rede Globo a criar uma minissérie em 1982, justamente intitulada “Quem ama não mata”. O horror aos crimes passionais, com ranços de extremo machismo patriarcal que era a tônica da nossa sociedade, fez com que ocorresse uma mudança de consciência. Até então, era comum a absolvição, por exemplo, do réu homem que assassinasse sua esposa por infidelidade. Alegava-se, na época, a “defesa da honra” do assassino que passava de réu a vítima, de ofensor a ofendido.
Estranhamente, crimes assim continuam a ocorrer. O amor em algum momento na relação acaba-se confundindo com o ódio e as pessoas continuam a se agredir – e a se matar – por “amor”.

Uma pesquisa rápida pela internet mostra que esse tipo de crime pode ser, ainda hoje, mais comum do que se imagina. Numa reportagem assinada por Natália Von Korsch para o portal Terra, especialistas afirmam que “Qualquer pessoa que ama pode matar por amor” (http://saude.terra.com.br/qualquer-pessoa-que-ama-pode-matar-por-amor-dizem-especialistas,e6188c3d10f27310VgnCLD100000bbcceb0aRCRD.html).

 Nessa reportagem, Talvane de Moraes, especialista em psiquiatria forense diz que apesar de ser a paixão um sentimento comum a todos os adultos, o crime passional ocorre quando a pessoa não consegue se controlar. Já Eduardo Ferreira Santos, outro psiquiatra ouvido pela repórter, aponta características comuns a quem comete crime passional, tais como “profundo egoísmo, dependência do outro e ciúme doentio, a ponto de não enxergar vida além da relação afetiva. Quando se sentem humilhados ou prestes a serem abandonados, matam quase que por instinto de sobrevivência. O crime passional, diferentemente do assassinato por conveniência, jamais é planejado com antecedência”. 

            De acordo com Tatiana Ades, do Portal UOL, a cada cinco dias uma mulher é assassinada por ciúmes em Belo Horizonte. No país como um todo a estatística é de dez mulheres mortas por dia. Essa reportagem trouxe o mesmo perfil dos criminosos: “ciúme, egocentrismo, ódio, possessividade, prepotência e até vaidade, o que leva a um incontrolável desejo de vingança” (http://www2.uol.com.br/vyaestelar/ama.htm). Da mesma forma, a reportagem deixa claro que “o crime passional é gerado pela impulsividade, diferentemente do psicopata que planeja o crime friamente”.

            Se atentarmos para os “valores” cultuados pela sociedade de consumo em que vivemos, talvez possamos entender porque uma espécie de crime que revoltou tanto as pessoas em décadas passadas, aparentemente volta a se tornar comum no Brasil. Afinal, o sentimento de posse, a reificação (ou coisificação) das pessoas, o egoísmo extremado são inerentes a esse tipo de sociedade. E é assim que, com um televisor à frente dos olhos e um programa de passeio semanal apenas a Shoppings, que estamos transformando as crianças em consumidores, em possuidores de mercadorias, em pessoas que valorizam o “ter” em vez do “ser”.

            Uma frase atribuída ao ator e diretor Clint Eastwood, amplamente divulgada nas redes sociais, sintetiza um pouco esse momento em que vivemos: “Todo mundo fala em como deixar um planeta melhor para nossos filhos. Na verdade deveríamos tentar deixar filhos melhores para o nosso planeta”.

 

 

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

22.02.2016

 

 

 




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