segunda-feira, 20 de julho de 2015

Bate-papo abordará a memória das mulheres negras

Foto: Carlos Carvalho Cavalheiro


Na semana em que se comemora o "Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe", o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro realizará a apresentação de biografias de mulheres negras de Sorocaba, com um bate-papo sobre a importância dessas mulheres na história.
            Com o título “Memória de Mulheres Negras de Sorocaba”, Cavalheiro procurará ressaltar a participação das mulheres negras em diversos setores da nossa sociedade. Para o historiador, a visibilidade dessas histórias de vida pode servir como referência para a organização da luta contra a desigualdade, além de colaborar para a erradicação do preconceito.
            Essa atividade é resultado de trabalho final do curso EAD “Produção Intelectual de Mulheres Negras”, promovido pela Associação Mulheres de Odun (AMO). Após passar por uma seleção de inscritos, Carlos Cavalheiro teve sua inscrição homologada e a cada módulo do curso foi solicitado um trabalho. Neste trabalho final a atividade deveria ser prática.
            Com o apoio da Coordenadoria da Igualdade Racial de Sorocaba, por meio da professora Lucimara Rocha, o debate sobre a memória das mulheres negras de Sorocaba se concretizou.
O Dia da Mulher Negra da América Latina e Caribe surgiu em julho de 1992, quando mulheres negras de 70 países participaram do 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, em Santo Domingo, na República Dominicana. O último dia do evento, 25 de julho, foi marcado como o "Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe", para celebrar e refletir sobre o papel das mulheres negras nestes continentes. Com isso, a mobilização de mulheres negras ganhou força e com isso, no Brasil, marcou-se para o dia 18 de Novembro de 2015 em Brasília, contra a discriminação racial na vida das mulheres negras que é constante.
            O bate-papo “Memória de Mulheres Negras de Sorocaba” ocorrerá no dia 20 de julho de 2015, às 15 horas, na Secretaria de Desenvolvimento Social, através da Coordenadoria da Igualdade Racial, sito a Rua Santa Cruz 116, centro- Sorocaba fone 32191920. A entrada é franca.

Bíblia nas escolas

                O procurador geral da República Rodrigo Janot, que se evidenciou por ser o responsável por levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) os nomes de acusados de participação na Operação Lava-Jato, novamente ganhou as manchetes dos jornais por ajuizar quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) questionando leis estaduais do Rio de Janeiro, do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Norte e do Amazonas por conta da obrigatoriedade de aquisição e manutenção de exemplares da Bíblia em Bibliotecas e Escolas Públicas. Em Porto Feliz, assim como em outras cidades brasileiras, há uma lei municipal similar, aprovada em novembro de 2014 (LEI MUNICIPAL Nº 5321 DE 03 DE NOVEMBRO DE 2014).
                O crescimento do número de cristãos dentro das representações políticas do país tem se evidenciado pela força e repercussão da sua atuação, especialmente nas casas legislativas. Há quem denomine, muitas vezes de forma pejorativa, como “bancada evangélica” os parlamentares que defendem seus posicionamentos religiosos dentro das discussões políticas. Na realidade, não são apenas “evangélicos” – um termo tão genérico quanto gasto atualmente e que, de fato, não define muita coisa – mas outros setores cristãos cujo pensamento, vez ou outra, se coaduna com os destes. Parece ser numa primeira vista, legítimo que o legislador eleito, que representa a sua comunidade e os seus eleitores, possa advogar por valores morais escorados nesta ou naquela religião. Ora, se o ruralista defende os seus pontos de vista; o empresário se embate pelo desenvolvimento industrial e o comerciante pelo comércio, por que não poderia o religioso defender os princípios da religião?
                O argumento, apesar de aparentemente válido, esbarra num outro problema. Vivemos num regime republicano e, portanto, laico. Não porque a República seja contra a religião, mas sim porque, por princípio, nesse regime político não se misturam a política com a Religião. Isso porque, etimologicamente, a palavra República é formada pelas expressões latinas res e publica, que significam "coisa pública". Distante das controvérsias do conceito pode-se dizer que República é o regime em que se pretende o “bem comum”. Por isso, não pode ser privado, particular, individual. Deve sempre almejar o bem maior, ou seja, aquilo que atingirá a todos (ou ao maior número possível de pessoas). Num regime republicano, por exemplo, não cabe a defesa de fé – qualquer que seja – porque essa se expressa sempre por uma visão de minoria ou de um grupo e não ao bem comum.
                Apenas para polemizar o debate, a Lei que institui a obrigatoriedade das Bíblias em escolas e bibliotecas públicas não define, por exemplo, qual tradução ou mesmo a qual tradição religiosa estará vinculada a aquisição dos exemplares bíblicos. A Bíblia “católica”, por exemplo, possui alguns livros a mais do que a Bíblia “protestante”. Tendo mais livros, maior é o benefício do leitor. Então, a compra será de bíblias “católicas”? Mas e o aluno ou consulente da biblioteca que não é católico e não quer uma tradução da Vulgata Latina? E se forem comprados exemplares da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, produzida pelas Testemunhas de Jeová, o público católico e protestante ficará satisfeito? Se é para estudos, deve-se privilegiar a compra da “Bíblia de Jerusalém” ou a “Bíblia de Estudos Scofield”?
                Por mais que se alegue que a função das Bíblias nas escolas e bibliotecas públicas tem como objetivo apenas a orientação moral, o que se precisa ter claro é que a forma encontrada não é, a princípio, a legítima dentro da República. Com isso quer-se dizer que ninguém é contra a manutenção de bíblias nas escolas e bibliotecas, muito ao contrário. Trata-se de um livro extraordinário, cuja própria longevidade justifica a sua importância. No entanto, o caminho buscado é equivocado. Não se pode usar do Poder Público para promover essa aquisição e, muito mais, obrigar o Estado a arcar com esse ônus. Legítimo é que as Igrejas e instituições religiosas se preocupem com os princípios morais da religião. Mas isso não pode ser obrigação estatal dentro de um regime republicano. Por isso, muito louvável o trabalho desenvolvido pelos Gideões, que distribuem gratuitamente cópias do Novo Testamento, inclusive nas escolas. É fazer cortesia com o próprio chapéu.

Carlos Carvalho Cavalheiro

22.03.2015

Menoridade penal: a herança da punição


            O eminente Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro “Raízes do Brasil” nos ensina que “Aos portugueses e, em menor grau, aos castelhanos, coube, sem dúvida, a primazia no emprego do regime que iria servir de modelo à exploração latifundiária e monocultora adotada depois por outros povos”. E qual a base do trabalho explorado nesse regime? O escravo.
            Disso se deduz que algo de herança dessa época ainda nos serve de parâmetro. No sistema escravocrata, não há, como ressalta o próprio Sérgio Buarque de Holanda e, também, Paulo Freire, espaço para a solidariedade – aqui entendida como a colaboração entre as pessoas – e para o diálogo. No entanto, sobra, por uma necessidade do próprio sistema, como azeite para a máquina, uma ânsia quase incontrolável pela punição. As menores faltas, no escravismo, eram punidas severamente. E não é exclusividade brasileira, mas sim de todos os lugares onde a escravidão econômica floresceu como bem denuncia Solomon Northup no seu livro “12 anos de Escravidão”.
            Temos uma vontade de punir. Não interessa muito a quem ou sob quais circunstâncias. Mesmo a nossa atração por números e estatísticas – gosto que se evidencia principalmente nas eleições e nos campeonatos de futebol – é suficiente para demover-nos desse intento. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça, apenas 0,9% dos crimes cometidos em todo o País são realizados por pessoas que possuem entre 16 e 18 anos, sendo que de todos esses casos, 0,5% são homicídios (incluindo as tentativas). Mas há outro gosto, um quase vício do brasileiro: acreditar nas percepções transmitidas por meios de comunicação, sobretudo televisão e, de um tempo para cá, redes sociais do mundo virtual.
            Anualmente, só para citar um exemplo, são enviadas por e-mail ou postadas nas redes sociais a “informação” de que os “deputados” aboliram o 13º salário do trabalhador. Ora, o artigo 7º, inciso VIII, que garante o 13º salário está incluindo dentro daquelas cláusulas pétreas mencionadas no parágrafo 4º do artigo 60, da mesma Constituição, sobretudo no inciso IV das garantias e direitos individuais. Sendo cláusula pétrea, ainda que haja pensamento contrário, não pode ser modificada e nem mesmo discutida essa possibilidade. No entanto, as pessoas ainda continuam acreditando nos boatos (hoax). Da mesma forma que acreditam que os maiores criminosos, os mais violentos e os principais elementos do crime organizado são os adolescentes. Mesmo que as estatísticas desmintam plenamente. Por isso, o desejo de punir aparece agora com a possibilidade da redução da maioridade penal.
            Coincidentemente, dos países mais desenvolvidos, apenas os Estados Unidos, que passou pelo processo de escravidão e viu nascer em seu solo uma cruel discriminação racial, é que insistem em adotar a penalidade para adolescentes de 12 a 16 anos, até mesmo com prisão perpétua ou pena de morte. Do outro lado, países como Japão e Inglaterra, que admitem a maioridade penal para adolescentes, estão debatendo nesse momento a elevação da maioridade. Isso em países onde há uma relativa infraestrutura que atinge a Educação e o bem estar social.
            No entanto, o Brasil não oferece o mesmo nível de Educação de qualidade – a principiar pela péssima remuneração dos professores e pelo excesso de alunos em salas de aula – mas quer punir os adolescentes com penas mais severas. Isso porque, talvez, não consiga punir os “donos do poder” que não apresentam alternativas para evitar que o adolescente caia na criminalidade, antes de pensar em puni-lo. Um exemplo prático é o trabalho que a Organização Social Abaçaí começou a realizar em Rafard. A falta de perspectivas para crianças e adolescentes têm levado muitos a procura das drogas. Em pouco tempo de trabalho, alguns meses, a Abaçai já vem arregimentando um número de jovens que estão encontrando um sentido para a vida nas atividades realizadas no Casarão da Tarsila do Amaral. Provavelmente, o índice de criminalidade entre os jovens deverá cair naquela cidade, muito em breve. E disso já nos alertava Pitágoras, há mais de 2000 anos: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”.


Carlos Carvalho Cavalheiro

07.04.2015

O transporte público na Região Metropolitana de Sorocaba


            A Região Metropolitana de Sorocaba, que engloba 26 municípios, foi criada em 9 de maio de 2014. Passado um ano da sua criação, essa unidade regional do Estado de São Paulo tem à sua frente inúmeros desafios, principalmente se levar em consideração que muito pouco caminhou até aqui. O que de fato mudou nas cidades que compõem a RMS, como é o caso de Porto Feliz? Quais os benefícios – pois, espera-se que tal criação tenha objetivado a melhoria da administração das cidades – que os municípios da RMS tiveram desde então?
            Há quem duvide mesmo que se possa caracterizar esse aglomerado de municípios como uma Região Metropolitana. Um dos indicadores disso seria o transporte intermunicipal, que sempre foi precário, e tem uma característica curiosa para uma região metropolitana: é muito mais fácil e cômodo deslocar-se de Sorocaba para a capital do que para qualquer uma das cidades de seu entorno.
            O Editorial do jornal “Cruzeiro do Sul”, de 2 de junho de 2015, comentou, sob o título “Transporte Metropolitano”, os problemas do transporte intermunicipal da RMS, apontando, no entanto, o que parece ser uma fraca luz no fim do túnel: o início dos trabalhos da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU/SP) no transporte coletivo intermunicipal, trabalho antes realizado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP). Segundo o jornal, “A autarquia começou a redesenhar a rede de linhas e itinerários de ônibus que atende a 26 municípios”.
            A alvíssara é que se pode ter ainda esperança de uma melhora nesse tipo de serviço, tão importante para o cidadão, e, sobretudo, para o próprio funcionamento eficaz da Região Metropolitana. Há alguns anos uma professora que reside em Sorocaba e trabalhava em Porto Feliz, necessitava sair de sua casa às 5 horas da manhã para chegar às 7 horas na escola em que lecionava! Se acaso perdesse o ônibus naquele horário, perdia também o dia de trabalho: o próximo coletivo passava duas horas depois. Enquanto isso, num espaço de 15 em 15 minutos, uma empresa de ônibus oferece transporte de Sorocaba para São Paulo.  Ou seja, se a professora trabalhasse em São Paulo, distante mais de 90 km de Sorocaba, não teria problemas em chegar ao seu destino sem atrasos. Mas como trabalhava em Porto Feliz, distante 25 km de Sorocaba, era obrigada a sair de sua casa duas horas antes do início do expediente da escola em que trabalhava.
            A esperança é que sob a tutela da EMTU/SP o transporte público intermunicipal melhore como explicitou o “Cruzeiro do Sul”, não só em novos itinerários, mas, também, na estrutura dos pontos de ônibus (especialmente os pontos finais), a questão de tarifas, fiscalização, vistoria, e a “implantação de um novo padrão visual metropolitano, para que os usuários identifiquem com mais facilidade as linhas”.
            Enquanto isso se espera, por outro lado, que o transporte público municipal também melhore. Em visita à comunidade do entorno da antiga Estação Jupira, em trabalho para o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental, depararam-se os conselheiros com a triste realidade de abandono da população do local que vive sem assistência médica nas proximidades, sem escola (a que existia foi fechada, segundo se apurou, o ano passado) e convivendo com o isolamento, pois um dos maiores problemas é a escassez de transporte público. Problemas como esses somente depõem contra a existência de uma Região Metropolitana. A não ser que se tenha em vista ser a periferia de tal Região.


Carlos Carvalho Cavalheiro
02.06.2015


Para onde vão os nossos impostos?



            A cobrança de impostos sempre foi vista com negatividade pelos povos. Na Antiguidade, conforme atesta os escritos bíblicos, os chamados publicanos, cobradores de impostos para o Império Romano, eram citados com desprezo e ignomínia e colocados ao lado de prostitutas e pecadores.
            O desprezo público pela cobrança de impostos é muito mais calcado no sentimento de injustiça do que propriamente algum lampejo de avareza ou mesmo de individualismo que impede o florescimento do nobre sentimento de colaboração com os gastos públicos. No caso da Palestina do tempo de Jesus e dos publicanos, o sentimento de injustiça se dava principalmente porque a colaboração do imposto servia especial e principalmente para fortalecer o poder opressivo do Império Romano sobre os povos dominados, incluindo aqueles pagadores de impostos. Em outras palavras, o cidadão da Palestina pagava para sua própria opressão robustecendo o aparelho estatal romano.
            No caso do Brasil, nos dias atuais, a revolta no pagamento de impostos é de outra origem. Na semana em que a Receita Federal liberou o primeiro lote de restituições do imposto de renda, foi divulgado o Ranking elaborado a partir de pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) que coloca o país, pela 5ª vez consecutiva, em último lugar da lista dos Estados que oferecem retorno dos impostos cobrados. A lista, composta de 30 nações com maiores cargas tributárias, mede o retorno dos impostos pagos em relação à qualidade dos serviços públicos prestados. Como se diz de forma coloquial: o Brasil é um dos países que mais cobram impostos e o que dá o pior retorno em termos de serviços públicos.
            Aliado a esse fato, que por si só já causa repúdio, o país ainda é assolado por corrupções de todas as cores partidárias, de todas as instâncias de poder, das mais variadas instituições.
Dentro da perspectiva neoliberal, o Estado tende a sucatear os serviços públicos a fim de propiciar o incentivo às iniciativas privadas. Isso fica bastante claro quando o cidadão precisa optar pelo ensino privado para seu filho porque o ensino público não é prestado com qualidade; ou quando necessita contratar serviços de vigilância porque a Segurança Pública não dá conta da demanda; ou ainda quando paga por um Plano de Saúde privado porque o atendimento na saúde pública é precário.
            O cidadão que possui condições financeiras é impelido a buscar na iniciativa privada os serviços que deveriam ser prestados com qualidade no setor público. Entretanto, contribui com uma carga tributária excessiva por serviços que não vai utilizar e, ainda, precisa pagar pelos serviços privados! Mas até aí tudo bem, se de fato o retorno dos impostos atendesse decentemente os que mais necessitam do atendimento público pela falta de condições financeiras. Ocorre que, escândalo após escândalo de corrupção, envolvendo aqueles que deveriam zelar pela aplicação correta dos impostos, o sentimento que resta ao cidadão é o de indignação exacerbada!
            Paga-se muito para não receber nada em troca a não ser a triste notícia de que boa parte de sua contribuição foi parar em bolsos de corruptos e salafrários, desavergonhados que posteriormente tornam-se “celebridades” ao prestarem depoimentos a CPIs.
            E nessa história não há santo imaculado. Não há bandeira partidária que não tenha sido manchada. Portanto, em vez de indicar postulados ideológicos para justificar essa discrepância entre a cobrança de impostos e o retorno disso em serviços públicos, o caminho a seguir é a organização da sociedade civil para discutir propostas e elaborar um Plano de reforma para apresentar como alternativa ao que hoje existe. Não é admissível que o Brasil continue figurando nesse ranking, desde 2010, em último lugar como o país que mais cobra impostos, mas o que oferece os serviços de pior qualidade. Do mundo!

Carlos Carvalho Cavalheiro

09.06.2015

O Ensino Religioso nas escolas públicas


            As discussões oriundas da construção dos Planos Municipais de Educação (PME) têm suscitado alguns debates que, de certa forma, refletem um pouco as discussões postas na sociedade ainda que “nos bastidores”. Em Sorocaba, por exemplo, causou celeuma a Audiência Pública chamada a fim de se debater o texto final do PME, especialmente no tocante a defesa da inclusão do Ensino Religioso nas escolas públicas.
            Defendida, naquela ocasião, pelo Arcebispo Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, a proposta foi entendida por alguns como uma lesão ao Estado laico. Rogando pelos princípios da família nuclear (aquela composta de pai, mãe e filhos), invocando os princípios constitucionais que reforçam esse conceito de família, o discurso do Arcebispo irritou representantes dos movimentos de defesa da causa LGBT, dicotomizando dessa forma o embate como se houvesse apenas duas representações naquela noite: de um lado o movimento LGBT e de outro os cristãos. E, ainda, tal divisão colocou em lados opostos e excludentes cada uma das posições.
            O fato é que a generalização e a radicalização do discurso impedem o diálogo. Quando ambos interlocutores gritam, perdem a chance de poder ouvir e de ser ouvido. A discussão dos Planos Municipais de Educação não deve reduzir-se a disputas de “Mercados” da verdade. E muito menos, em pleno século XXI, a intolerância com a existência do outro não deve ser fomentada jamais.
            No entanto, o que ocorreu em Sorocaba é apenas um reflexo do que está ocorrendo em toda a sociedade. Num ineditismo interessante, o Arcebispo teve a favor de seu tempo de discurso a cessão de turno de fala por parte de pastores de igrejas protestantes. Pela primeira vez, católicos e protestantes se uniram de forma coesa e com um discurso afinado. O mesmo ocorreu com o apelo do deputado e pastor Marco Feliciano, convocando lideranças católicas e evangélicas para protestarem publicamente contra a performance da transexual Viviany Beleboni, que apareceu “crucificada” num protesto contra a homofobia durante a Parada Gay em São Paulo.
            Na semana passada, um deputado estadual, ao apresentar um programa na TV da Assembléia Legislativa de São Paulo (TV ALESP), também se pronunciou dizendo que entende a família unicamente como aquela que se conceitua nuclear, reforçando, então, a necessidade do ensino religioso para que esse conceito estivesse presente nas escolas públicas, no que teve a concordância de um prefeito que estava sendo entrevistado na ocasião.
            Nesta semana, precisamente na segunda-feira, dia 15, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal realizar uma audiência pública para debater o ensino religioso nas escolas públicas. Em resumo, alguns setores da nossa sociedade consideram primordial a inclusão do ensino religioso nas escolas públicas como forma de reforçar os valores da família nuclear e, desse modo, fazer frente a diversas campanhas de conscientização para a aceitação das diferenças. Diferenças essas que passam pela união homossexual e, consequentemente, formação de família com adoção de crianças pelos casais homossexuais.
            Há um problema, no entanto, a ser muito bem esmiuçado nessa proposta de ensino religioso confessional e obrigatório. Diz-se respeito a uma conquista histórica que foi a separação do Estado e da Igreja, substituindo o antigo Padroado pelo Estado laico e sem religião oficial. Por esse motivo, a Procuradoria Geral da República (PGR) questionou, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, o ensino religioso confessional vinculado a uma religião específica, nas escolas da rede oficial de ensino do país, pois entende que o ensino religioso deve ser ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e antropológico, abordando a perspectiva das várias religiões que existem.  Nesse sentido, o Estado de São Paulo promulgou em 2001 a Lei 10783 e o Decreto 46802, no ano seguinte, que instituem o ensino religioso facultativo e supraconfessional, sem admissão de qualquer proselitismo e, com respeito à diversidade cultural, a tolerância, a ética e valores universais presentes em todas as religiões. Portanto, o Ensino Religioso no Estado de São Paulo já está amplamente escorado em legislação específica. E fica assegurado o ensino dos valores universais.
A religião, no sentido de instituição e do conjunto de dogmas e crenças, é de foro íntimo e de consciência particular. Não pode ser imposta a outro de forma arbitrária. Até porque isso contrariaria o próprio texto bíblico que diz: “não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito” (Zc. 4.6).



Carlos Carvalho Cavalheiro

15.06.2015

Por que ser professor?


           
            O senso comum diz que a profissão do Educador está cada vez mais desprestigiada. A última greve da categoria, no Estado de São Paulo, quando o Poder Executivo recusou-se a negociar com os trabalhadores, demonstra claramente o quanto a educação vem perdendo seu prestígio ao longo dos anos. Dados da Apeoesp, regional de Bauru, apontam diversas causas de problemas que geram doenças e causam queda na qualidade do trabalho dos professores, de uma forma geral.
            Segundo informações dessa pesquisa publicadas no JCNet, em 19 de novembro de 2012, o cansaço, nervosismo e ansiedade são apenas alguns dos malefícios à saúde que a precariedade de condições de trabalho causam aos professores. De acordo com essa reportagem, “73% dos professores [estão] lecionando em salas com mais de 36 alunos, sendo que 32% das classes contam com 41 alunos. “A superlotação é realidade antiga e sem solução” [...]. Outro problema é que 45% dos professores precisam manter outra atividade ou lecionar em mais de um período para complementar a renda, aprofundando o nível elevado de stress e cansaço”. Ainda de acordo com a Apeoesp de Bauru, 81,6% dos professores sofrem de cansaço excessivo, 67,8% de nervosismo, 65,8% apresentam problemas relacionados à voz, 50,3% apresentam sintomas de angústia...
            Diante de um quadro tão tétrico e alarmante, é de se refletir sobre o porquê da insistência de alguns profissionais que continuam trabalhando na / com a Educação? Na qualidade de professor, muitas vezes fui obrigado a fazer tal reflexão. Afinal, por que insistir nesse exercício profissional? Qual a vantagem de ser professor num país que pouco – ou nada – valoriza os seus educadores?
            Há alguns anos eu publiquei num Blog meu uma carta de uma ex-aluna, Kênia Machado, a qual externou sua opinião sobre o trabalho que desenvolvi como professor. Na ocasião ela disse: “Olha, você sempre manteve a pose de "durão" com a gente, mas mesmo assim, sabíamos reconhecer a sua maneira de ensinar, eu pelo menos sempre admirei a sua postura! e que postura hein, Professor! Aprendi e tenho certeza que todos aprendemos o significado de ética e o que é ser uma pessoa ética, aprendemos que temos no mínimo o direito de vivermos em um ambiente limpo”. E continuou escrevendo: “Muito obrigada professor, por fazer de nós, pessoas de verdade! Obrigada por nos mostrar que temos direitos, por abrir nossos olhos diante da sociedade, por nos preparar para a vida! [...] Com você enxerguei a sujeira que é a sociedade, e que se não lutar pelo que quero, vou apanhar muito, aprendi também que não posso me deixar abater com as dificuldades e os desafios da vida, pois Deus gosta de guerreiro, ele quer guerreiros, quer que sejamos persistentes e que lutemos pelos nossos objetivos!”.
            Em fevereiro de 2014, recebi outra mensagem de um aluno da turma de 2009. O remetente era o estudante Renan A. Rossi Nardi que teceu vários elogios ao nosso trabalho como professor. Em certo trecho da missiva ele informou: “Como um ex-aluno, sinto a necessidade de te trazer esta notícia, a qual devo, e muito, a participação do senhor. Nesta sexta-feira (31), saiu a lista de aprovados do Vestibular da USP - FUVEST. Tenho o imenso prazer de te dizer que fui um dos aprovados. Passei no curso de Engenharia Bioquímica, na posição de 26°, com aproximadamente 400 inscritos concorrendo a 40 vagas. Desde que comecei a imaginar a possibilidade dessa vitória, eu senti certa obrigação de comunicar e agradecer aos que, de um jeito ou de outro, tiveram participação nessa minha conquista. Durante alguns anos, esperei o dia de poder escrever-lhes. O senhor é um dos quais venho hoje agradecer. Entrei em contato com você há uns 2 anos atrás, quando eu ainda estava no ensino médio e confuso sobre qual carreira seguir. O senhor gentilmente me respondeu, e deu a mim algo que acredito ser um dos melhores presentes que um professor pode dar a um aluno: inspiração”.  Em seguida, disse que na Escola “Coronel Esmédio, tive a honra de aprender com professores incríveis, que jamais me esquecerei: Silvana Castelucci, Cláudia Carbonari, Claire, Érica Borin, e o senhor, Professor Carlos. Vocês, como professores, sabem como é difícil a ascensão à uma universidade pública para um aluno que frequentou a rede pública de ensino durante toda sua vida escolar, num país onde, nas universidades públicas, aproximadamente 70% dos alunos provém de escolas particulares. Sabem que, dentre os problemas que retardam o crescimento do país, como um todo, a desigualdade entre as classes sociais é a principal geradora de pobreza. Como um aluno da rede pública que sempre fui, sei que os professores que se dedicam a lecionar nesse ramo são, na maioria das vezes, verdadeiros heróis.  E foram esses heróis, muitos deles que eu encontrei no Coronel, que trouxeram inspiração para que eu me dedicasse aos estudos e realizasse o meu sonho”.
            São palavras como essas que ainda dão significado ao exercício do Magistério! E são essas mesmas palavras que calam a arrogância daqueles que exercem o Poder apenas para satisfação de seus projetos pessoais ou partidários. A esses, restará o implacável julgamento da História!


Carlos Carvalho Cavalheiro

29.06.2015

Uva, Vinho e Saci-Pererê – Parte 1


[Porto Feliz: Muito além das Monções]

            Na Chácara dos Pelegrinis existem sacis. Sim, Saci-Pererê, aquele de uma perna só, barrete vermelho e cachimbo na boca. E de verdade mesmo... Não é estátua, não é “pegadinha” e nem lorota. A Chácara da família Pelegrini fica na Vila Progresso e quem me contou a história do Saci foi o Valdemar Pelegrini.
            Quando Valdemar era pequeno, o seu avô já o advertira do Saci que rondava pelas cercanias. De fato, ainda há na propriedade um vasto bambuzal e todos sabem que Saci nasce do gomo do bambu. Ocorre que a gleba possuía também um invejável pomar que era alvo da criançada que se lambuzava com goiabas, jabuticabas, mangas e tantas outras frutas. Isso sem contar com as uvas, produção que existe até hoje e que proporciona a fabricação artesanal de vinho de qualidade... Mas isso é assunto para depois. O caso agora é do Saci.
            Pois bem, ninguém dava atenção ao que dizia o senhor Guglielmo, avô do Valdemar, acerca do Saci que rondava a propriedade. Todos achavam que era história do homem para espantar a criançada que roubava as frutas do pomar. Até que uma noite, dessas de lua cheia que dispensa a iluminação pública, um bando de garotos saiu para colher frutas da Chácara. No meio da atividade, se depararam com um estranho ser que os acompanhava com olhos vidrados. Era um crescido Saci-Pererê... Foi uma gritaria só e em desabalada carreira a molecada fugiu deixando caídas ao chão as frutas que tinham colhido. A partir daí todos acreditaram na história do Saci. A história ganhou a cidade e ninguém ousou mais adentrar a Chácara para colher os frutos dos pés. Quando Valdemar Pelegrini se tornou adulto, verificou que o Saci ainda vivia naquela propriedade. Se se trata do mesmo, não se sabe. Afinal, dizem, o Saci vive 77 anos... Poderia ser o mesmo, bem como há a possibilidade de haver muitos outros sacis que estão proliferando naqueles bambuzais... Fica aqui o alerta: o corte ou extinção do bambu poderá acarretar o fim de uma das últimas espécies de Saci que ainda existe em Porto Feliz.
            A primeira pessoa que chamou a minha atenção para os Sacis da Chácara dos Pelegirnis foi o ex-prefeito e professor de História Cláudio Maffei. Lá pelos idos de 2006 ou 2007 ele me contou essa história e da produção artesanal de vinho do Valdemar. Por desencontros, só vim a conhecer o Valdemar Pelegrini, pessoalmente, neste ano. Aliás, faz pouco tempo: foi no dia 30 de novembro de 2014. Nessa ocasião o Pelegrini confidenciou que ainda realiza expedições noturnas com as crianças da família para tentar observar o Saci. Fiquei aliviado com o fato deles não tentarem “caçar” o espevitado perneta, eis que sou membro da Sociedade dos Observadores de Saci (SOSACI) e tenho por conduta apenas observar in loco a criatura, desprezando, portanto, as cruéis capturas que se realizam com peneiras ou rosários benzidos.
Bom, dito tudo isso, creio que chegou a hora de falar um pouco sobre as uvas e o vinho. Há uvas de várias espécies que são produzidas nessa Chácara. Há uvas Seibel e Seibel 2, por exemplo, que segundo a Wikipedia referem-se a “castas de uva criadas pelo médico e vitivinicultor Albert Seibel no fim do século XIX, na França, a partir de castas europeias e americanas”. Ainda segundo essa Enciclopédia eletrônica, com essas uvas pode se produzir vinhos saborosos. No entanto, Valdemar Pelegrini utiliza preferencialmente para a produção de vinho uvas que cultiva a partir de novas variedades desenvolvidas no Instituto Agronômico de Campinas, em parceria com o pesquisador José Luiz Hernandes, que em determinados momentos lança novas variedades híbridas a essa finalidade. O processo de produção não utiliza adubos químicos ou defensivos organoclorados, resultando assim em uma qualidade próxima a excelência. Uvas saborosas, vinhos de qualidade.
Valdemar é advogado e possui um escritório em Campinas. Somente nos finais de semana é que se dedica à produção da uva e do vinho, uma tradição que está em sua família há décadas. Uma curiosidade é o rótulo desenvolvido para o Vinho Pelegrini: uma composição do brasão da cidade com as origens italianas da família Pelegrini e com a tradição da produção artesanal do vinho. Expressão de amor e gratidão pela cidade.
Na próxima edição falaremos mais sobre o vinho e a família Pelegrini.
[Continua]

Carlos Carvalho Cavalheiro

28.12.2014

Uva, Vinho e Saci-Pererê – Parte 2


[Porto Feliz: Muito além das Monções]

            “A família Pelegrini, uma das mais tradicionais de Porto Feliz mantém consigo, há quatro gerações, a arte de produzir seu próprio vinho de forma essencialmente artesanal, em sua adega que fica no coração da Vila Progresso”. A tradição começou por volta de 1945, quando Atílio Pelegrini, pai do Valdemar Pelegrini, aperfeiçoou a produção vinícola que fazia parte da família desde, pelo menos, 1917. Até então se fazia vinho naquele clã para consumo próprio e de forma rudimentar.
A história dos Pelegrini (e todas as variantes, como dois “L”, com “E” no final do nome, etc.) no Brasil se mistura com a dos outros imigrantes que vieram para cá em busca de melhores condições de vida nas décadas finais do século XIX. Conta o próprio Valdemar Pelegrini que seus ancestrais vieram de Veneza, na Itália, para o Brasil em 1890. Nesse ano desembarcaram no Porto de Santos. Uma parte da família tentou a sorte no sul do país. A outra foi para o interior paulista.
Segundo nos contou Valdemar Pelegrini, “Com a crise do café, os imigrantes italianos se mudaram para a parte central de nosso Estado; iniciava-se a fase áurea da cana de açúcar. Entre os muitos imigrantes dessa epopeia, estava também o ancestral da família, Guilherme (Guglielmo) Pelegrini, que embora tivesse chegado só, teve o cuidado de trazer consigo, sementes de algumas variedades de uvas que passou a cultivá-las em nossa região”.
Para Valdemar, a produção de um bom vinho, não tem muitos mistérios, “eis que é uma decorrência da fermentação natural da uva, todo o trabalho embora artesanal, carrega consigo o toque pessoal de seu artesão”. Para exemplificar o que afirma, o advogado e vinicultor costuma contar a lenda do vinho: “Na Pérsia, no reino de Jamshid, as uvas eram armazenadas em jarros de grande capacidade para serem consumidas nas entre safras, e em um dado momento, um dos jarros começou a espumar e a exalar um cheiro agradável forte e desconhecido, que acreditando-se tratar de um veneno, foi deixado em segundo plano. Foi quando uma jovem escrava do castelo, desiludida pelo amor não correspondido da parte do príncipe, tentou suicídio, ingerindo grande quantidade daquele líquido espumante, tido como veneno. Eis que, em vez de ter encontrado a morte, sentiu-se alegre, ligeiramente sonolenta e, desse modo, passou a cantarolar pelo palácio. Sabendo o Rei de tal façanha, pediu a seus súditos que refizessem novas quantidades daquela coisa fervilhante, para que toda sua corte desfrutasse daquela poção maravilhosa. Estava descoberta a mais antiga bebida do mundo”.
A lenda acima demonstra a suposta simplicidade na produção do vinho: a natureza faz a parte maior que é a fermentação. Uma das fontes mais antigas do uso do vinho está em Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, que no seu capítulo 9 informa que Noé era cultivador de uvas e que fabricou vinho, ficando embriagado. De fato, o vinho é uma das mais antigas bebidas alcoólicas do mundo.
O processo de produção do Vinho Pelegrini diferencia-se pelo fato de todo o cuidado especial dispensado pelo Valdemar. Desde o cultivo da uva até o engarrafamento, todo o processo passa pelas suas mãos e cuidado. Um desses cuidados está em relação à coloração da casca da uva, pois é ela quem tingirá a bebida.
Segundo Valdemar Pelegrini, “o processo não utiliza adubos químicos ou defensivos organoclorados, resultando assim em uma qualidade próxima à excelência, eis que, após amassadas, as frutas são levadas a uma tanque de fermentação rápida por sete dias, com casca e sementes. Durante esse período, é que a coloração das cascas passam a tingir o líquido do composto, que será a nova bebida. Ao longo de mais 120 dias, com o líquido já separado das sementes e cascas, uma fermentação lenta se processará até o final do inverno em garrafões de 50 litros, onde se aprimorará a qualidade, como coloração que deve ser brilhante, de cheiro agradável, teor alcoólico ideal, e retrogosto específico de cada variedade”.
Na Adega Pelegrini, localizada na própria Chácara, no coração da Vila Progresso, pode-se adquirir o vinho, bem como, com reserva feita com antecedência, é possível apreciar uma lauta e caseira refeição servida em ambiente agradável e acolhedor. Há acomodação suficiente para grupos de até cem pessoas, que além da refeição, do vinho, das uvas e do Saci, poderão ainda ouvir as interessantes e construtivas histórias do Valdemar Pelegrini e sua companheira. Uma atividade tão agradável que poderia constar, sem nenhum favor, nos informativos oficiais de Turismo da cidade.

PS – Se a Vila Progresso é conhecida como “Último Gole”, será que o primeiro já era servido na Chácara Pelegrini? Brincadeira.

Carlos Carvalho Cavalheiro
28.12.2014



Basta de Paulo Freire nas escolas?!



            É legítimo o direito de protestar, sobretudo quando se vive num país cujo regime político, republicano e democrático, permite legalmente essa ocorrência. No entanto, aqueles que se dispõem a sair às ruas para protestar têm que ter, pelo menos, conhecimento de fato daquilo contra qual se protesta. Caso contrário, servirão apenas de massa de manobra para interesses escusos; sem contar o papel ridículo que se prestam quando o embasamento do discurso do protesto é plenamente contraditório.
            Um exemplo bastante ilustrativo foi uma das faixas levantadas nas últimas manifestações em meados deste mês de março e que trazia a mensagem: “Intervenção Militar Já! Só o povo nas ruas tem poder”. Basta compulsar qualquer livro ou fonte documental que trate do período militar para saber que um dos pontos básicos dessa forma de governo, ditatorial, era justamente impedir as manifestações nas ruas. Não há necessidade nem de discussão ideológica; basta ler os textos dos Atos Institucionais, emitidos durante o regime militar, para ler que qualquer cidadão poderia ter seus direitos cassados por dez anos, sem necessidade de justificativa, o que o impediria, dentre outras coisas, o exercício de atividade ou manifestação de natureza política.
            Tão ridícula quanto a faixa acima citada, houve destaque nos meios de comunicação da presença de outra com os dizeres: “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”. O que assusta é a reprodução, novamente, do discurso ditatorial, eis que Paulo Freire foi sim considerado subversivo pela Ditadura Militar. Porém, até Jânio Quadros também o foi. Quem, em sã consciência, pode hoje em dia defender um governo ditatorial? Quando o mundo todo se levanta em revolta a esses tipos de regime, uma parcela da população brasileira retrocede e deseja um governo autoritário, antidemocrático e fascista!
            Por outro lado, o que torna a faixa mais esdrúxula ainda, é o fato de que o método Paulo Freire, a despeito da simpatia de muitos, nunca ter sido implantado em nenhum sistema de ensino público deste país. Ao contrário, enquanto a proposta desse educador se baseia na relação dialógica entre educador e educando, o que se tem verificado é uma pasteurização e massificação do ensino que explode em crises constantemente anunciadas nos meios de comunicação. Enquanto Paulo Freire dizia da necessidade de se aliar a leitura da palavra com a leitura crítica do mundo, o que se verifica hoje é a comercialização do ensino superior, com denúncias constantes de má formação de professores, de falta de estrutura física, ou irregularidades em documentações e cumprimento de legislação. Muito aquém do que sonhava Paulo Freire para a nossa educação, mas que, certamente, supre as necessidades do neoliberalismo.
            Há, porém, uma elucidação que Paulo Freire nos trouxe e que, talvez, seja a tônica dessa insana ojeriza à sua obra. O educador nos esclarece e ensina que “’formados’ na experiência de opressores, tudo o que não seja seu direito antigo de oprimir significa opressão a eles. Vão sentir-se, agora, na nova situação, como oprimidos porque, se antes podiam comer, vestir, calçar, educar-se, passear, ouvir Beethoven, enquanto milhões não comiam, não calçavam, não vestiam, não estudavam nem tampouco passeavam, quanto mais podiam ouvir Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em nome do direito de todos, lhes parece uma profunda violência a seu direito de pessoa” (“Pedagogia do Oprimido”). Novamente, recorre-se aqui não a fontes ideológicas, mas a dados isentos sustentados pela Fundação Getúlio Vargas e pela “Cetelem, financeira do grupo francês BNP Paribas, em conjunto com a IPSOS [que] mostrou que a classe C conseguiu ampliar a sua participação, em 2009, para 49% da população brasileira, ante 45% do ano anterior, chegando a 92,85 milhões de pessoas no país” (http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u717334.shtml).  De fato, com essa ascensão social dos brasileiros, os privilégios de antes, usufruídos apenas por alguns, diminuem. E isso irrita as antigas classes que não se sentem mais “tão distintas”. Mas isso não é culpa do Paulo Freire.

Carlos Carvalho Cavalheiro.
31.03.2015


A cidade como espaço educativo


                “O tempo passa, o tempo voa...”. O velho jingle de propaganda de um Banco sintetizava a sensação, que experimentamos hodiernamente, de brevidade do tempo. As transformações tecnológicas, sobretudo na informação e na comunicação, aliadas às mudanças sociais e comportamentais nos dão a sensação de que aquilo que se passou no minuto anterior já é passado consumado. E morto.
                A paisagem das cidades acompanha, em geral, esse ritmo. Não faz cinco anos e ainda existia na Praça José Sacramento e Silva os antigos bancos de concretos, tal e qual foram retratados e eternizados pelo artista plástico Bruno Di Giusti num dos painéis de azulejos que ornamentam as paredes internas da Igreja Matriz. Poucos se lembram de detalhes como esse. São momentos e informações que esvaecem ao sabor do compasso do “progresso” e da “modernização”. Revitalização, reurbanização ou ampliação da malha urbana. Não importa muito o nome que se dê a ação, eis que o resultado é o mesmo: a modificação da paisagem. O velho prédio do Clube Recreativo Familiar deixou de existir há poucos dias. Sem nenhuma cerimônia, a imponente fachada verde daquele prédio se converteu em pilhas de tijolos e entulhos. Como no texto bíblico, não sobrou pedra sobre pedra.
                A perda de um bem material como esse reflete, certamente, no apagamento da memória que a sua presença simbolizava. Não foi apenas a antiga sede do Clube que se desfez. Foi muito mais do que isso. Toda a história relacionada a essa agremiação recreativa, com as suas contradições e, também, com as características próprias de sua época, deixaram de existir. O senso comum não entende a importância do patrimônio histórico e cultural – mesmo tendo consciência de que as grandes nações se escoram e têm por esteio o respeito e a consequente preservação de seus monumentos – como elemento amalgamador da identidade por meio do culto à memória. Constantemente os prédios com valor histórico e/ou arquitetônico são vistos como velharias que devem ser demolidas para dar lugar ao novo, ao “moderno”. Herança de uma mentalidade subserviente e colonial.
                Desde a década de 1990 há um movimento que engloba mais de 37 países e cerca de 450 cidades intitulado “Associação Internacional das Cidades Educadoras” que pretende desenvolver ações, dentro das localidades conveniadas, realizar um trabalho voltado para projetos  e  atividades  visando melhorar a qualidade de vida os habitantes, por meio “de sua participação ativa na utilização e evolução da própria cidade e de acordo com a carta aprovada das  Cidades Educadoras”. Dentro desse conceito de Cidade Educadora, entre outros princípios, desenvolve-se o de trabalhar a cidade como grande espaço educador.
                Desse modo, os espaços públicos são aproveitados para formar e consolidar valores como respeito, cidadania, tolerância, participação direta, responsabilidade, interesse pela coisa pública entre tantos outros. A Carta das Cidades Educadoras prevê que a diversidade deverá aumentar ainda mais nas cidades num futuro próximo e que, por isso, “um dos desafios da cidade educadora é o de promover o equilíbrio e a harmonia entre identidade e diversidade, salvaguardando as contribuições das comunidades que a integram e o direito de todos aqueles que a habitam, sentindo-se reconhecidos a partir de sua identidade cultural”. Desse modo, é importante – talvez, imprescindível – que a memória seja preservada, tanto quando está num suporte material (como um prédio ou mesmo um quadro) ou imaterial (como as lendas, as receitas, as músicas, as crendices).
                Em agosto de 2012, os alunos dos 8ºs e 9ºs anos da EMEF. Coronel Esmédio participaram de um projeto inusitado que procurou contar a história de uma rua: a Luiz Antonio de Carvalho, conhecida como antiga rua da Laje. Há cerca de 60 ou 70 anos essa rua demarcava praticamente o final da malha urbana, dando vazão ao caminho para Capivari, conhecido popularmente por “Gole” ou “Último Gole”. Há notícias colhidas em jornais e livros, dando conta da realização do batuque de umbigada nessa mesma rua. Além disso, esse logradouro carrega em sua toponímia a memória da laje de arenito (mesma composição do paredão salitroso do Parque das Monções). A apropriação dessas informações pode impelir ações de cidadania e respeito como apregoadas pelo movimento de cidades educadoras. No entanto, isso somente será possível quando houver o culto à memória e ao patrimônio, bem como disponibilização das informações para que se possa construir a memória coletiva da cidade. Se não existir ações que efetivamente busquem por esses objetivos, jamais se desenvolverão os princípios e valores almejados pela Associação Internacional de Cidades Educadoras.

Carlos Carvalho Cavalheiro – 16.06.2014.