segunda-feira, 20 de julho de 2015

Menoridade penal: a herança da punição


            O eminente Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro “Raízes do Brasil” nos ensina que “Aos portugueses e, em menor grau, aos castelhanos, coube, sem dúvida, a primazia no emprego do regime que iria servir de modelo à exploração latifundiária e monocultora adotada depois por outros povos”. E qual a base do trabalho explorado nesse regime? O escravo.
            Disso se deduz que algo de herança dessa época ainda nos serve de parâmetro. No sistema escravocrata, não há, como ressalta o próprio Sérgio Buarque de Holanda e, também, Paulo Freire, espaço para a solidariedade – aqui entendida como a colaboração entre as pessoas – e para o diálogo. No entanto, sobra, por uma necessidade do próprio sistema, como azeite para a máquina, uma ânsia quase incontrolável pela punição. As menores faltas, no escravismo, eram punidas severamente. E não é exclusividade brasileira, mas sim de todos os lugares onde a escravidão econômica floresceu como bem denuncia Solomon Northup no seu livro “12 anos de Escravidão”.
            Temos uma vontade de punir. Não interessa muito a quem ou sob quais circunstâncias. Mesmo a nossa atração por números e estatísticas – gosto que se evidencia principalmente nas eleições e nos campeonatos de futebol – é suficiente para demover-nos desse intento. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça, apenas 0,9% dos crimes cometidos em todo o País são realizados por pessoas que possuem entre 16 e 18 anos, sendo que de todos esses casos, 0,5% são homicídios (incluindo as tentativas). Mas há outro gosto, um quase vício do brasileiro: acreditar nas percepções transmitidas por meios de comunicação, sobretudo televisão e, de um tempo para cá, redes sociais do mundo virtual.
            Anualmente, só para citar um exemplo, são enviadas por e-mail ou postadas nas redes sociais a “informação” de que os “deputados” aboliram o 13º salário do trabalhador. Ora, o artigo 7º, inciso VIII, que garante o 13º salário está incluindo dentro daquelas cláusulas pétreas mencionadas no parágrafo 4º do artigo 60, da mesma Constituição, sobretudo no inciso IV das garantias e direitos individuais. Sendo cláusula pétrea, ainda que haja pensamento contrário, não pode ser modificada e nem mesmo discutida essa possibilidade. No entanto, as pessoas ainda continuam acreditando nos boatos (hoax). Da mesma forma que acreditam que os maiores criminosos, os mais violentos e os principais elementos do crime organizado são os adolescentes. Mesmo que as estatísticas desmintam plenamente. Por isso, o desejo de punir aparece agora com a possibilidade da redução da maioridade penal.
            Coincidentemente, dos países mais desenvolvidos, apenas os Estados Unidos, que passou pelo processo de escravidão e viu nascer em seu solo uma cruel discriminação racial, é que insistem em adotar a penalidade para adolescentes de 12 a 16 anos, até mesmo com prisão perpétua ou pena de morte. Do outro lado, países como Japão e Inglaterra, que admitem a maioridade penal para adolescentes, estão debatendo nesse momento a elevação da maioridade. Isso em países onde há uma relativa infraestrutura que atinge a Educação e o bem estar social.
            No entanto, o Brasil não oferece o mesmo nível de Educação de qualidade – a principiar pela péssima remuneração dos professores e pelo excesso de alunos em salas de aula – mas quer punir os adolescentes com penas mais severas. Isso porque, talvez, não consiga punir os “donos do poder” que não apresentam alternativas para evitar que o adolescente caia na criminalidade, antes de pensar em puni-lo. Um exemplo prático é o trabalho que a Organização Social Abaçaí começou a realizar em Rafard. A falta de perspectivas para crianças e adolescentes têm levado muitos a procura das drogas. Em pouco tempo de trabalho, alguns meses, a Abaçai já vem arregimentando um número de jovens que estão encontrando um sentido para a vida nas atividades realizadas no Casarão da Tarsila do Amaral. Provavelmente, o índice de criminalidade entre os jovens deverá cair naquela cidade, muito em breve. E disso já nos alertava Pitágoras, há mais de 2000 anos: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”.


Carlos Carvalho Cavalheiro

07.04.2015

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