segunda-feira, 20 de julho de 2015

Basta de Paulo Freire nas escolas?!



            É legítimo o direito de protestar, sobretudo quando se vive num país cujo regime político, republicano e democrático, permite legalmente essa ocorrência. No entanto, aqueles que se dispõem a sair às ruas para protestar têm que ter, pelo menos, conhecimento de fato daquilo contra qual se protesta. Caso contrário, servirão apenas de massa de manobra para interesses escusos; sem contar o papel ridículo que se prestam quando o embasamento do discurso do protesto é plenamente contraditório.
            Um exemplo bastante ilustrativo foi uma das faixas levantadas nas últimas manifestações em meados deste mês de março e que trazia a mensagem: “Intervenção Militar Já! Só o povo nas ruas tem poder”. Basta compulsar qualquer livro ou fonte documental que trate do período militar para saber que um dos pontos básicos dessa forma de governo, ditatorial, era justamente impedir as manifestações nas ruas. Não há necessidade nem de discussão ideológica; basta ler os textos dos Atos Institucionais, emitidos durante o regime militar, para ler que qualquer cidadão poderia ter seus direitos cassados por dez anos, sem necessidade de justificativa, o que o impediria, dentre outras coisas, o exercício de atividade ou manifestação de natureza política.
            Tão ridícula quanto a faixa acima citada, houve destaque nos meios de comunicação da presença de outra com os dizeres: “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”. O que assusta é a reprodução, novamente, do discurso ditatorial, eis que Paulo Freire foi sim considerado subversivo pela Ditadura Militar. Porém, até Jânio Quadros também o foi. Quem, em sã consciência, pode hoje em dia defender um governo ditatorial? Quando o mundo todo se levanta em revolta a esses tipos de regime, uma parcela da população brasileira retrocede e deseja um governo autoritário, antidemocrático e fascista!
            Por outro lado, o que torna a faixa mais esdrúxula ainda, é o fato de que o método Paulo Freire, a despeito da simpatia de muitos, nunca ter sido implantado em nenhum sistema de ensino público deste país. Ao contrário, enquanto a proposta desse educador se baseia na relação dialógica entre educador e educando, o que se tem verificado é uma pasteurização e massificação do ensino que explode em crises constantemente anunciadas nos meios de comunicação. Enquanto Paulo Freire dizia da necessidade de se aliar a leitura da palavra com a leitura crítica do mundo, o que se verifica hoje é a comercialização do ensino superior, com denúncias constantes de má formação de professores, de falta de estrutura física, ou irregularidades em documentações e cumprimento de legislação. Muito aquém do que sonhava Paulo Freire para a nossa educação, mas que, certamente, supre as necessidades do neoliberalismo.
            Há, porém, uma elucidação que Paulo Freire nos trouxe e que, talvez, seja a tônica dessa insana ojeriza à sua obra. O educador nos esclarece e ensina que “’formados’ na experiência de opressores, tudo o que não seja seu direito antigo de oprimir significa opressão a eles. Vão sentir-se, agora, na nova situação, como oprimidos porque, se antes podiam comer, vestir, calçar, educar-se, passear, ouvir Beethoven, enquanto milhões não comiam, não calçavam, não vestiam, não estudavam nem tampouco passeavam, quanto mais podiam ouvir Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em nome do direito de todos, lhes parece uma profunda violência a seu direito de pessoa” (“Pedagogia do Oprimido”). Novamente, recorre-se aqui não a fontes ideológicas, mas a dados isentos sustentados pela Fundação Getúlio Vargas e pela “Cetelem, financeira do grupo francês BNP Paribas, em conjunto com a IPSOS [que] mostrou que a classe C conseguiu ampliar a sua participação, em 2009, para 49% da população brasileira, ante 45% do ano anterior, chegando a 92,85 milhões de pessoas no país” (http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u717334.shtml).  De fato, com essa ascensão social dos brasileiros, os privilégios de antes, usufruídos apenas por alguns, diminuem. E isso irrita as antigas classes que não se sentem mais “tão distintas”. Mas isso não é culpa do Paulo Freire.

Carlos Carvalho Cavalheiro.
31.03.2015


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