É legítimo o direito de protestar,
sobretudo quando se vive num país cujo regime político, republicano e
democrático, permite legalmente essa ocorrência. No entanto, aqueles que se
dispõem a sair às ruas para protestar têm que ter, pelo menos, conhecimento de
fato daquilo contra qual se protesta. Caso contrário, servirão apenas de massa
de manobra para interesses escusos; sem contar o papel ridículo que se prestam
quando o embasamento do discurso do protesto é plenamente contraditório.
Um exemplo bastante ilustrativo foi
uma das faixas levantadas nas últimas manifestações em meados deste mês de
março e que trazia a mensagem: “Intervenção Militar Já! Só o povo nas ruas tem
poder”. Basta compulsar qualquer livro ou fonte documental que trate do período
militar para saber que um dos pontos básicos dessa forma de governo,
ditatorial, era justamente impedir as manifestações nas ruas. Não há
necessidade nem de discussão ideológica; basta ler os textos dos Atos
Institucionais, emitidos durante o regime militar, para ler que qualquer
cidadão poderia ter seus direitos cassados por dez anos, sem necessidade de
justificativa, o que o impediria, dentre outras coisas, o exercício de
atividade ou manifestação de natureza política.
Tão ridícula quanto a faixa acima
citada, houve destaque nos meios de comunicação da presença de outra com os
dizeres: “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”. O que assusta
é a reprodução, novamente, do discurso ditatorial, eis que Paulo Freire foi sim
considerado subversivo pela Ditadura Militar. Porém, até Jânio Quadros também o
foi. Quem, em sã consciência, pode hoje em dia defender um governo ditatorial?
Quando o mundo todo se levanta em revolta a esses tipos de regime, uma parcela
da população brasileira retrocede e deseja um governo autoritário,
antidemocrático e fascista!
Por outro lado, o que torna a faixa
mais esdrúxula ainda, é o fato de que o método Paulo Freire, a despeito da
simpatia de muitos, nunca ter sido implantado em nenhum sistema de ensino
público deste país. Ao contrário, enquanto a proposta desse educador se baseia
na relação dialógica entre educador e educando, o que se tem verificado é uma
pasteurização e massificação do ensino que explode em crises constantemente
anunciadas nos meios de comunicação. Enquanto Paulo Freire dizia da necessidade
de se aliar a leitura da palavra com a leitura crítica do mundo, o que se
verifica hoje é a comercialização do ensino superior, com denúncias constantes
de má formação de professores, de falta de estrutura física, ou irregularidades
em documentações e cumprimento de legislação. Muito aquém do que sonhava Paulo
Freire para a nossa educação, mas que, certamente, supre as necessidades do
neoliberalismo.
Há, porém, uma elucidação que Paulo
Freire nos trouxe e que, talvez, seja a tônica dessa insana ojeriza à sua obra.
O educador nos esclarece e ensina que “’formados’ na experiência de opressores,
tudo o que não seja seu direito antigo de oprimir significa opressão a eles.
Vão sentir-se, agora, na nova situação, como oprimidos porque, se antes podiam
comer, vestir, calçar, educar-se, passear, ouvir Beethoven, enquanto milhões
não comiam, não calçavam, não vestiam, não estudavam nem tampouco passeavam,
quanto mais podiam ouvir Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em nome do direito de todos, lhes
parece uma profunda violência a seu direito de pessoa” (“Pedagogia do
Oprimido”). Novamente, recorre-se aqui não a fontes ideológicas, mas a dados
isentos sustentados pela Fundação Getúlio Vargas e pela “Cetelem, financeira do
grupo francês BNP Paribas, em conjunto com a IPSOS [que] mostrou que a classe C
conseguiu ampliar a sua participação, em 2009, para 49% da população
brasileira, ante 45% do ano anterior, chegando a 92,85 milhões de pessoas no
país” (http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u717334.shtml). De fato, com essa ascensão social dos
brasileiros, os privilégios de antes, usufruídos apenas por alguns, diminuem. E
isso irrita as antigas classes que não se sentem mais “tão distintas”. Mas isso
não é culpa do Paulo Freire.
Carlos
Carvalho Cavalheiro.
31.03.2015
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