segunda-feira, 20 de julho de 2015

O Ensino Religioso nas escolas públicas


            As discussões oriundas da construção dos Planos Municipais de Educação (PME) têm suscitado alguns debates que, de certa forma, refletem um pouco as discussões postas na sociedade ainda que “nos bastidores”. Em Sorocaba, por exemplo, causou celeuma a Audiência Pública chamada a fim de se debater o texto final do PME, especialmente no tocante a defesa da inclusão do Ensino Religioso nas escolas públicas.
            Defendida, naquela ocasião, pelo Arcebispo Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, a proposta foi entendida por alguns como uma lesão ao Estado laico. Rogando pelos princípios da família nuclear (aquela composta de pai, mãe e filhos), invocando os princípios constitucionais que reforçam esse conceito de família, o discurso do Arcebispo irritou representantes dos movimentos de defesa da causa LGBT, dicotomizando dessa forma o embate como se houvesse apenas duas representações naquela noite: de um lado o movimento LGBT e de outro os cristãos. E, ainda, tal divisão colocou em lados opostos e excludentes cada uma das posições.
            O fato é que a generalização e a radicalização do discurso impedem o diálogo. Quando ambos interlocutores gritam, perdem a chance de poder ouvir e de ser ouvido. A discussão dos Planos Municipais de Educação não deve reduzir-se a disputas de “Mercados” da verdade. E muito menos, em pleno século XXI, a intolerância com a existência do outro não deve ser fomentada jamais.
            No entanto, o que ocorreu em Sorocaba é apenas um reflexo do que está ocorrendo em toda a sociedade. Num ineditismo interessante, o Arcebispo teve a favor de seu tempo de discurso a cessão de turno de fala por parte de pastores de igrejas protestantes. Pela primeira vez, católicos e protestantes se uniram de forma coesa e com um discurso afinado. O mesmo ocorreu com o apelo do deputado e pastor Marco Feliciano, convocando lideranças católicas e evangélicas para protestarem publicamente contra a performance da transexual Viviany Beleboni, que apareceu “crucificada” num protesto contra a homofobia durante a Parada Gay em São Paulo.
            Na semana passada, um deputado estadual, ao apresentar um programa na TV da Assembléia Legislativa de São Paulo (TV ALESP), também se pronunciou dizendo que entende a família unicamente como aquela que se conceitua nuclear, reforçando, então, a necessidade do ensino religioso para que esse conceito estivesse presente nas escolas públicas, no que teve a concordância de um prefeito que estava sendo entrevistado na ocasião.
            Nesta semana, precisamente na segunda-feira, dia 15, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal realizar uma audiência pública para debater o ensino religioso nas escolas públicas. Em resumo, alguns setores da nossa sociedade consideram primordial a inclusão do ensino religioso nas escolas públicas como forma de reforçar os valores da família nuclear e, desse modo, fazer frente a diversas campanhas de conscientização para a aceitação das diferenças. Diferenças essas que passam pela união homossexual e, consequentemente, formação de família com adoção de crianças pelos casais homossexuais.
            Há um problema, no entanto, a ser muito bem esmiuçado nessa proposta de ensino religioso confessional e obrigatório. Diz-se respeito a uma conquista histórica que foi a separação do Estado e da Igreja, substituindo o antigo Padroado pelo Estado laico e sem religião oficial. Por esse motivo, a Procuradoria Geral da República (PGR) questionou, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, o ensino religioso confessional vinculado a uma religião específica, nas escolas da rede oficial de ensino do país, pois entende que o ensino religioso deve ser ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e antropológico, abordando a perspectiva das várias religiões que existem.  Nesse sentido, o Estado de São Paulo promulgou em 2001 a Lei 10783 e o Decreto 46802, no ano seguinte, que instituem o ensino religioso facultativo e supraconfessional, sem admissão de qualquer proselitismo e, com respeito à diversidade cultural, a tolerância, a ética e valores universais presentes em todas as religiões. Portanto, o Ensino Religioso no Estado de São Paulo já está amplamente escorado em legislação específica. E fica assegurado o ensino dos valores universais.
A religião, no sentido de instituição e do conjunto de dogmas e crenças, é de foro íntimo e de consciência particular. Não pode ser imposta a outro de forma arbitrária. Até porque isso contrariaria o próprio texto bíblico que diz: “não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito” (Zc. 4.6).



Carlos Carvalho Cavalheiro

15.06.2015

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