As discussões oriundas da construção
dos Planos Municipais de Educação (PME) têm suscitado alguns debates que, de
certa forma, refletem um pouco as discussões postas na sociedade ainda que “nos
bastidores”. Em Sorocaba, por exemplo, causou celeuma a Audiência Pública
chamada a fim de se debater o texto final do PME, especialmente no tocante a
defesa da inclusão do Ensino Religioso nas escolas públicas.
Defendida, naquela ocasião, pelo
Arcebispo Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, a proposta foi entendida por
alguns como uma lesão ao Estado laico. Rogando pelos princípios da família
nuclear (aquela composta de pai, mãe e filhos), invocando os princípios
constitucionais que reforçam esse conceito de família, o discurso do Arcebispo irritou
representantes dos movimentos de defesa da causa LGBT, dicotomizando dessa
forma o embate como se houvesse apenas duas representações naquela noite: de um
lado o movimento LGBT e de outro os cristãos. E, ainda, tal divisão colocou em
lados opostos e excludentes cada uma das posições.
O fato é que a generalização e a
radicalização do discurso impedem o diálogo. Quando ambos interlocutores
gritam, perdem a chance de poder ouvir e de ser ouvido. A discussão dos Planos
Municipais de Educação não deve reduzir-se a disputas de “Mercados” da verdade.
E muito menos, em pleno século XXI, a intolerância com a existência do outro
não deve ser fomentada jamais.
No entanto, o que ocorreu em
Sorocaba é apenas um reflexo do que está ocorrendo em toda a sociedade. Num
ineditismo interessante, o Arcebispo teve a favor de seu tempo de discurso a
cessão de turno de fala por parte de pastores de igrejas protestantes. Pela
primeira vez, católicos e protestantes se uniram de forma coesa e com um discurso
afinado. O mesmo ocorreu com o apelo do deputado e pastor Marco Feliciano,
convocando lideranças católicas e evangélicas para protestarem publicamente
contra a performance da transexual Viviany Beleboni, que apareceu “crucificada”
num protesto contra a homofobia durante a Parada Gay em São Paulo.
Na semana passada, um deputado estadual,
ao apresentar um programa na TV da Assembléia Legislativa de São Paulo (TV
ALESP), também se pronunciou dizendo que entende a família unicamente como
aquela que se conceitua nuclear, reforçando, então, a necessidade do ensino
religioso para que esse conceito estivesse presente nas escolas públicas, no
que teve a concordância de um prefeito que estava sendo entrevistado na
ocasião.
Nesta semana, precisamente na
segunda-feira, dia 15, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal realizar uma
audiência pública para debater o ensino religioso nas escolas públicas. Em
resumo, alguns setores da nossa sociedade consideram primordial a inclusão do
ensino religioso nas escolas públicas como forma de reforçar os valores da
família nuclear e, desse modo, fazer frente a diversas campanhas de
conscientização para a aceitação das diferenças. Diferenças essas que passam
pela união homossexual e, consequentemente, formação de família com adoção de
crianças pelos casais homossexuais.
Há um problema, no entanto, a ser
muito bem esmiuçado nessa proposta de ensino religioso confessional e
obrigatório. Diz-se respeito a uma conquista histórica que foi a separação do
Estado e da Igreja, substituindo o antigo Padroado pelo Estado laico e sem
religião oficial. Por esse motivo, a Procuradoria Geral da República (PGR)
questionou, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, o
ensino religioso confessional vinculado a uma religião específica, nas escolas
da rede oficial de ensino do país, pois entende que o ensino religioso deve ser
ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e antropológico, abordando
a perspectiva das várias religiões que existem.
Nesse sentido, o Estado de São Paulo promulgou em 2001 a Lei 10783 e o
Decreto 46802, no ano seguinte, que instituem o ensino religioso facultativo e
supraconfessional, sem admissão de qualquer proselitismo e, com respeito à
diversidade cultural, a tolerância, a ética e valores universais presentes em
todas as religiões. Portanto, o Ensino Religioso no Estado de São Paulo já está
amplamente escorado em legislação específica. E fica assegurado o ensino dos
valores universais.
A religião, no sentido de instituição e do
conjunto de dogmas e crenças, é de foro íntimo e de consciência particular. Não
pode ser imposta a outro de forma arbitrária. Até porque isso contrariaria o
próprio texto bíblico que diz: “não por
força nem por violência, mas pelo meu Espírito” (Zc. 4.6).
Carlos
Carvalho Cavalheiro
15.06.2015
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