segunda-feira, 20 de julho de 2015

A cidade como espaço educativo


                “O tempo passa, o tempo voa...”. O velho jingle de propaganda de um Banco sintetizava a sensação, que experimentamos hodiernamente, de brevidade do tempo. As transformações tecnológicas, sobretudo na informação e na comunicação, aliadas às mudanças sociais e comportamentais nos dão a sensação de que aquilo que se passou no minuto anterior já é passado consumado. E morto.
                A paisagem das cidades acompanha, em geral, esse ritmo. Não faz cinco anos e ainda existia na Praça José Sacramento e Silva os antigos bancos de concretos, tal e qual foram retratados e eternizados pelo artista plástico Bruno Di Giusti num dos painéis de azulejos que ornamentam as paredes internas da Igreja Matriz. Poucos se lembram de detalhes como esse. São momentos e informações que esvaecem ao sabor do compasso do “progresso” e da “modernização”. Revitalização, reurbanização ou ampliação da malha urbana. Não importa muito o nome que se dê a ação, eis que o resultado é o mesmo: a modificação da paisagem. O velho prédio do Clube Recreativo Familiar deixou de existir há poucos dias. Sem nenhuma cerimônia, a imponente fachada verde daquele prédio se converteu em pilhas de tijolos e entulhos. Como no texto bíblico, não sobrou pedra sobre pedra.
                A perda de um bem material como esse reflete, certamente, no apagamento da memória que a sua presença simbolizava. Não foi apenas a antiga sede do Clube que se desfez. Foi muito mais do que isso. Toda a história relacionada a essa agremiação recreativa, com as suas contradições e, também, com as características próprias de sua época, deixaram de existir. O senso comum não entende a importância do patrimônio histórico e cultural – mesmo tendo consciência de que as grandes nações se escoram e têm por esteio o respeito e a consequente preservação de seus monumentos – como elemento amalgamador da identidade por meio do culto à memória. Constantemente os prédios com valor histórico e/ou arquitetônico são vistos como velharias que devem ser demolidas para dar lugar ao novo, ao “moderno”. Herança de uma mentalidade subserviente e colonial.
                Desde a década de 1990 há um movimento que engloba mais de 37 países e cerca de 450 cidades intitulado “Associação Internacional das Cidades Educadoras” que pretende desenvolver ações, dentro das localidades conveniadas, realizar um trabalho voltado para projetos  e  atividades  visando melhorar a qualidade de vida os habitantes, por meio “de sua participação ativa na utilização e evolução da própria cidade e de acordo com a carta aprovada das  Cidades Educadoras”. Dentro desse conceito de Cidade Educadora, entre outros princípios, desenvolve-se o de trabalhar a cidade como grande espaço educador.
                Desse modo, os espaços públicos são aproveitados para formar e consolidar valores como respeito, cidadania, tolerância, participação direta, responsabilidade, interesse pela coisa pública entre tantos outros. A Carta das Cidades Educadoras prevê que a diversidade deverá aumentar ainda mais nas cidades num futuro próximo e que, por isso, “um dos desafios da cidade educadora é o de promover o equilíbrio e a harmonia entre identidade e diversidade, salvaguardando as contribuições das comunidades que a integram e o direito de todos aqueles que a habitam, sentindo-se reconhecidos a partir de sua identidade cultural”. Desse modo, é importante – talvez, imprescindível – que a memória seja preservada, tanto quando está num suporte material (como um prédio ou mesmo um quadro) ou imaterial (como as lendas, as receitas, as músicas, as crendices).
                Em agosto de 2012, os alunos dos 8ºs e 9ºs anos da EMEF. Coronel Esmédio participaram de um projeto inusitado que procurou contar a história de uma rua: a Luiz Antonio de Carvalho, conhecida como antiga rua da Laje. Há cerca de 60 ou 70 anos essa rua demarcava praticamente o final da malha urbana, dando vazão ao caminho para Capivari, conhecido popularmente por “Gole” ou “Último Gole”. Há notícias colhidas em jornais e livros, dando conta da realização do batuque de umbigada nessa mesma rua. Além disso, esse logradouro carrega em sua toponímia a memória da laje de arenito (mesma composição do paredão salitroso do Parque das Monções). A apropriação dessas informações pode impelir ações de cidadania e respeito como apregoadas pelo movimento de cidades educadoras. No entanto, isso somente será possível quando houver o culto à memória e ao patrimônio, bem como disponibilização das informações para que se possa construir a memória coletiva da cidade. Se não existir ações que efetivamente busquem por esses objetivos, jamais se desenvolverão os princípios e valores almejados pela Associação Internacional de Cidades Educadoras.

Carlos Carvalho Cavalheiro – 16.06.2014.
               

               


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