“O
tempo passa, o tempo voa...”. O velho jingle
de propaganda de um Banco sintetizava a sensação, que experimentamos
hodiernamente, de brevidade do tempo. As transformações tecnológicas, sobretudo
na informação e na comunicação, aliadas às mudanças sociais e comportamentais
nos dão a sensação de que aquilo que se passou no minuto anterior já é passado
consumado. E morto.
A
paisagem das cidades acompanha, em geral, esse ritmo. Não faz cinco anos e
ainda existia na Praça José Sacramento e Silva os antigos bancos de concretos,
tal e qual foram retratados e eternizados pelo artista plástico Bruno Di Giusti
num dos painéis de azulejos que ornamentam as paredes internas da Igreja
Matriz. Poucos se lembram de detalhes como esse. São momentos e informações que
esvaecem ao sabor do compasso do “progresso” e da “modernização”.
Revitalização, reurbanização ou ampliação da malha urbana. Não importa muito o
nome que se dê a ação, eis que o resultado é o mesmo: a modificação da
paisagem. O velho prédio do Clube Recreativo Familiar deixou de existir há
poucos dias. Sem nenhuma cerimônia, a imponente fachada verde daquele prédio se
converteu em pilhas de tijolos e entulhos. Como no texto bíblico, não sobrou
pedra sobre pedra.
A
perda de um bem material como esse reflete, certamente, no apagamento da
memória que a sua presença simbolizava. Não foi apenas a antiga sede do Clube
que se desfez. Foi muito mais do que isso. Toda a história relacionada a essa
agremiação recreativa, com as suas contradições e, também, com as
características próprias de sua época, deixaram de existir. O senso comum não
entende a importância do patrimônio histórico e cultural – mesmo tendo
consciência de que as grandes nações se escoram e têm por esteio o respeito e a
consequente preservação de seus monumentos – como elemento amalgamador da
identidade por meio do culto à memória. Constantemente os prédios com valor
histórico e/ou arquitetônico são vistos como velharias que devem ser demolidas
para dar lugar ao novo, ao “moderno”. Herança de uma mentalidade subserviente e
colonial.
Desde
a década de 1990 há um movimento que engloba mais de 37 países e cerca de 450
cidades intitulado “Associação Internacional das Cidades Educadoras” que
pretende desenvolver ações, dentro das localidades conveniadas, realizar um
trabalho voltado para projetos e atividades visando
melhorar a qualidade de vida os habitantes, por
meio “de sua participação ativa na utilização e evolução da própria cidade e de acordo com a carta aprovada das
Cidades Educadoras”. Dentro desse conceito de Cidade Educadora, entre
outros princípios, desenvolve-se o de trabalhar a cidade como grande espaço
educador.
Desse
modo, os espaços públicos são aproveitados para formar e consolidar valores
como respeito, cidadania, tolerância, participação direta, responsabilidade,
interesse pela coisa pública entre tantos outros. A Carta das Cidades
Educadoras prevê que a diversidade deverá aumentar ainda mais nas cidades num
futuro próximo e que, por isso, “um dos desafios da cidade educadora é o de
promover o equilíbrio e a harmonia entre identidade e diversidade,
salvaguardando as contribuições das comunidades que a integram e o direito de
todos aqueles que a habitam, sentindo-se reconhecidos a partir de sua
identidade cultural”. Desse modo, é importante – talvez, imprescindível – que a
memória seja preservada, tanto quando está num suporte material (como um prédio
ou mesmo um quadro) ou imaterial (como as lendas, as receitas, as músicas, as
crendices).
Em
agosto de 2012, os alunos dos 8ºs e 9ºs anos da EMEF. Coronel Esmédio
participaram de um projeto inusitado que procurou contar a história de uma rua:
a Luiz Antonio de Carvalho, conhecida como antiga rua da Laje. Há cerca de 60
ou 70 anos essa rua demarcava praticamente o final da malha urbana, dando vazão
ao caminho para Capivari, conhecido popularmente por “Gole” ou “Último Gole”.
Há notícias colhidas em jornais e livros, dando conta da realização do batuque
de umbigada nessa mesma rua. Além disso, esse logradouro carrega em sua
toponímia a memória da laje de arenito (mesma composição do paredão salitroso
do Parque das Monções). A apropriação dessas informações pode impelir ações de
cidadania e respeito como apregoadas pelo movimento de cidades educadoras. No
entanto, isso somente será possível quando houver o culto à memória e ao
patrimônio, bem como disponibilização das informações para que se possa
construir a memória coletiva da cidade. Se não existir ações que efetivamente
busquem por esses objetivos, jamais se desenvolverão os princípios e valores
almejados pela Associação Internacional de Cidades Educadoras.
Carlos Carvalho Cavalheiro – 16.06.2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário