O procurador geral da República
Rodrigo Janot, que se evidenciou por ser o responsável por levar ao Supremo
Tribunal Federal (STF) os nomes de acusados de participação na Operação
Lava-Jato, novamente ganhou as manchetes dos jornais por ajuizar quatro ações
diretas de inconstitucionalidade (ADINs) questionando leis estaduais do Rio de
Janeiro, do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Norte e do Amazonas por conta
da obrigatoriedade de aquisição e manutenção de exemplares da Bíblia em Bibliotecas
e Escolas Públicas. Em Porto Feliz, assim como em outras cidades brasileiras,
há uma lei municipal similar, aprovada em novembro de 2014 (LEI MUNICIPAL Nº
5321 DE 03 DE NOVEMBRO DE 2014).
O crescimento do número de
cristãos dentro das representações políticas do país tem se evidenciado pela
força e repercussão da sua atuação, especialmente nas casas legislativas. Há
quem denomine, muitas vezes de forma pejorativa, como “bancada evangélica” os
parlamentares que defendem seus posicionamentos religiosos dentro das
discussões políticas. Na realidade, não são apenas “evangélicos” – um termo tão
genérico quanto gasto atualmente e que, de fato, não define muita coisa – mas
outros setores cristãos cujo pensamento, vez ou outra, se coaduna com os
destes. Parece ser numa primeira vista, legítimo que o legislador eleito, que
representa a sua comunidade e os seus eleitores, possa advogar por valores
morais escorados nesta ou naquela religião. Ora, se o ruralista defende os seus
pontos de vista; o empresário se embate pelo desenvolvimento industrial e o
comerciante pelo comércio, por que não poderia o religioso defender os
princípios da religião?
O argumento, apesar de
aparentemente válido, esbarra num outro problema. Vivemos num regime
republicano e, portanto, laico. Não porque a República seja contra a religião,
mas sim porque, por princípio, nesse regime político não se misturam a política
com a Religião. Isso porque, etimologicamente, a palavra República é formada
pelas expressões latinas res e publica, que significam
"coisa pública". Distante das controvérsias do conceito pode-se dizer
que República é o regime em que se pretende o “bem comum”. Por isso, não pode
ser privado, particular, individual. Deve sempre almejar o bem maior, ou seja,
aquilo que atingirá a todos (ou ao maior número possível de pessoas). Num
regime republicano, por exemplo, não cabe a defesa de fé – qualquer que seja –
porque essa se expressa sempre por uma visão de minoria ou de um grupo e não ao
bem comum.
Apenas
para polemizar o debate, a Lei que institui a obrigatoriedade das Bíblias em
escolas e bibliotecas públicas não define, por exemplo, qual tradução ou mesmo
a qual tradição religiosa estará vinculada a aquisição dos exemplares bíblicos.
A Bíblia “católica”, por exemplo, possui alguns livros a mais do que a Bíblia
“protestante”. Tendo mais livros, maior é o benefício do leitor. Então, a
compra será de bíblias “católicas”? Mas e o aluno ou consulente da biblioteca
que não é católico e não quer uma tradução da Vulgata Latina? E se forem
comprados exemplares da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas,
produzida pelas Testemunhas de Jeová, o público católico e protestante ficará
satisfeito? Se é para estudos, deve-se privilegiar a compra da “Bíblia de
Jerusalém” ou a “Bíblia de Estudos Scofield”?
Por mais que se alegue que a
função das Bíblias nas escolas e bibliotecas públicas tem como objetivo apenas
a orientação moral, o que se precisa ter claro é que a forma encontrada não é,
a princípio, a legítima dentro da República. Com isso quer-se dizer que ninguém
é contra a manutenção de bíblias nas escolas e bibliotecas, muito ao contrário.
Trata-se de um livro extraordinário, cuja própria longevidade justifica a sua
importância. No entanto, o caminho buscado é equivocado. Não se pode usar do
Poder Público para promover essa aquisição e, muito mais, obrigar o Estado a
arcar com esse ônus. Legítimo é que as Igrejas e instituições religiosas se
preocupem com os princípios morais da religião. Mas isso não pode ser obrigação
estatal dentro de um regime republicano. Por isso, muito louvável o trabalho
desenvolvido pelos Gideões, que distribuem gratuitamente cópias do Novo
Testamento, inclusive nas escolas. É fazer cortesia com o próprio chapéu.
Carlos Carvalho
Cavalheiro
22.03.2015
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