segunda-feira, 20 de julho de 2015

Bíblia nas escolas

                O procurador geral da República Rodrigo Janot, que se evidenciou por ser o responsável por levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) os nomes de acusados de participação na Operação Lava-Jato, novamente ganhou as manchetes dos jornais por ajuizar quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) questionando leis estaduais do Rio de Janeiro, do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Norte e do Amazonas por conta da obrigatoriedade de aquisição e manutenção de exemplares da Bíblia em Bibliotecas e Escolas Públicas. Em Porto Feliz, assim como em outras cidades brasileiras, há uma lei municipal similar, aprovada em novembro de 2014 (LEI MUNICIPAL Nº 5321 DE 03 DE NOVEMBRO DE 2014).
                O crescimento do número de cristãos dentro das representações políticas do país tem se evidenciado pela força e repercussão da sua atuação, especialmente nas casas legislativas. Há quem denomine, muitas vezes de forma pejorativa, como “bancada evangélica” os parlamentares que defendem seus posicionamentos religiosos dentro das discussões políticas. Na realidade, não são apenas “evangélicos” – um termo tão genérico quanto gasto atualmente e que, de fato, não define muita coisa – mas outros setores cristãos cujo pensamento, vez ou outra, se coaduna com os destes. Parece ser numa primeira vista, legítimo que o legislador eleito, que representa a sua comunidade e os seus eleitores, possa advogar por valores morais escorados nesta ou naquela religião. Ora, se o ruralista defende os seus pontos de vista; o empresário se embate pelo desenvolvimento industrial e o comerciante pelo comércio, por que não poderia o religioso defender os princípios da religião?
                O argumento, apesar de aparentemente válido, esbarra num outro problema. Vivemos num regime republicano e, portanto, laico. Não porque a República seja contra a religião, mas sim porque, por princípio, nesse regime político não se misturam a política com a Religião. Isso porque, etimologicamente, a palavra República é formada pelas expressões latinas res e publica, que significam "coisa pública". Distante das controvérsias do conceito pode-se dizer que República é o regime em que se pretende o “bem comum”. Por isso, não pode ser privado, particular, individual. Deve sempre almejar o bem maior, ou seja, aquilo que atingirá a todos (ou ao maior número possível de pessoas). Num regime republicano, por exemplo, não cabe a defesa de fé – qualquer que seja – porque essa se expressa sempre por uma visão de minoria ou de um grupo e não ao bem comum.
                Apenas para polemizar o debate, a Lei que institui a obrigatoriedade das Bíblias em escolas e bibliotecas públicas não define, por exemplo, qual tradução ou mesmo a qual tradição religiosa estará vinculada a aquisição dos exemplares bíblicos. A Bíblia “católica”, por exemplo, possui alguns livros a mais do que a Bíblia “protestante”. Tendo mais livros, maior é o benefício do leitor. Então, a compra será de bíblias “católicas”? Mas e o aluno ou consulente da biblioteca que não é católico e não quer uma tradução da Vulgata Latina? E se forem comprados exemplares da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, produzida pelas Testemunhas de Jeová, o público católico e protestante ficará satisfeito? Se é para estudos, deve-se privilegiar a compra da “Bíblia de Jerusalém” ou a “Bíblia de Estudos Scofield”?
                Por mais que se alegue que a função das Bíblias nas escolas e bibliotecas públicas tem como objetivo apenas a orientação moral, o que se precisa ter claro é que a forma encontrada não é, a princípio, a legítima dentro da República. Com isso quer-se dizer que ninguém é contra a manutenção de bíblias nas escolas e bibliotecas, muito ao contrário. Trata-se de um livro extraordinário, cuja própria longevidade justifica a sua importância. No entanto, o caminho buscado é equivocado. Não se pode usar do Poder Público para promover essa aquisição e, muito mais, obrigar o Estado a arcar com esse ônus. Legítimo é que as Igrejas e instituições religiosas se preocupem com os princípios morais da religião. Mas isso não pode ser obrigação estatal dentro de um regime republicano. Por isso, muito louvável o trabalho desenvolvido pelos Gideões, que distribuem gratuitamente cópias do Novo Testamento, inclusive nas escolas. É fazer cortesia com o próprio chapéu.

Carlos Carvalho Cavalheiro

22.03.2015

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